Título: Dez motivos para baixar já os juros
Autor: Lacerda, Antonio Corrêa de
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2008, Economia, p. B2

A melhor contribuição que o Comitê de Política Monetária (Copom) poderia dar ao País na reunião de hoje seria baixar a taxa de juros (Selic).

O agravamento da crise internacional, com seus reflexos na economia brasileira e o esforço de bancos centrais (BCs) e governos mundo afora para combater os seus efeitos, torna imprescindível ajustar as políticas macroeconômicas domésticas ao novo cenário. Há pelo menos dez motivos para baixar já a Selic:

1) Os BCs dos principais países vêm promovendo reduções nas taxas de juros. Desde setembro, o Banco Central Europeu reduziu os juros de 4,25% para 2,5%; o Fed, banco central dos EUA, de 2,0 % para 1,0%; e o Banco do Japão, de 0,5% para apenas 0,3% ao ano. Isso significa que o diferencial entre essas taxas de juros e a taxa de juros doméstica brasileira, que já era expressivo, tornou-se ainda maior;

2) se o pior da crise deflagrada com a falência do banco Lehman Brothers, em 15 de setembro deste ano, e a conseqüente quebra de confiança e risco sistêmico financeiro internacional se dissiparam, o impacto sobre o desempenho das economias dos países desenvolvidos, por outro lado, está apenas começando - em muitos casos com recessão;

3) no Brasil, olhando para os próximos 12 a 18 meses - o que, aliás, é o que o Copom deve fazer -, não há riscos inflacionários expressivos. Pelo contrário, a queda nos preços internacionais das commodities, de 65%, em média, e o desaquecimento da demanda global vão provocar uma onda deflacionista, como, aliás, já vem ocorrendo em vários preços;

4) isso, por outro lado, representa uma janela de oportunidade para o Brasil ajustar o câmbio, saindo da armadilha da valorização que perdurou nos últimos anos e, ao mesmo tempo, sem gerar pressões inflacionárias adicionais. O pass through (repasse) da taxa de câmbio aos preços é compensado pela queda dos preços em dólares no mercado internacional. Passada esta fase mais aguda, a desvalorização do real deverá ser amenizada;

5) no passado recente, a aceleração da demanda interna e a elevação dos preços das commodities no mercado internacional foram justificativas para o Copom elevar a Selic. O desafio agora será olhar mais para o pára-brisa e menos para o retrovisor, e promover o ajuste rápido da taxa de juros;

6) o risco é cometer um erro de avaliação e que, daqui a seis meses, quando efetivamente as taxas de juros definidas agora passarem a fazer efeito na ¿economia real¿, venham a ser um fator adicional para derrubar ainda mais o nível de atividades - exatamente o contrário da função que deveriam exercer;

7) o Banco Central do Brasil agiu, segundo suas próprias palavras, tempestivamente (que equivale a em tempo certo, adequado) para subir as taxas de juros e com parcimônia para mantê-las. Deve, da mesma forma, agir com o mesmo princípio para baixá-las. É muito importante a combinação das políticas monetária, cambial e fiscal para agir anticiclicamente;

8) uma menor taxa de juros deve amenizar o efeito da contração do nível de atividades e dos investimentos produtivos, não só pela diminuição do ¿custo de oportunidade¿, como também pelo seu efeito psicológico positivo, inclusive para o consumidor;

9) da mesma forma, a redução dos juros diminui o custo de financiamento da dívida pública. Cada ponto porcentual a menos na Selic representa a economia potencial de cerca de R$ 10 bilhões ao ano no financiamento da dívida pública, diretamente sobre os títulos pós-fixados e, indiretamente, sobre os prefixados. Ao reduzir o gasto do governo com o financiamento da dívida, abre-se mais espaço para ampliar os investimentos públicos, fundamentais para fomentar o nível de atividades e motivar os investimentos privados; e

10) mesmo que houvesse um risco inflacionário iminente - o que está longe de ser o caso - a prioridade deve ser a manutenção do nível mínimo de atividades. Uma estagnação, ou mesmo recessão - que não pode ser descartada -, representaria um agravamento de todas as demais condições econômicas e sociais em razão de seus efeitos deletérios.

*Antonio Corrêa de Lacerda, professor doutor da PUC-SP, doutor em economia pela Unicamp, é economista-chefe da Siemens e co-autor, entre outros livros, de Economia Brasileira (Saraiva)

E-mail: aclacerda@pucsp.br