Título: Ataque a Gaza ressuscita o Hamas
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/12/2008, Internacional, p. A11

Com popularidade em queda, grupo radical islâmico agonizava até início de ofensiva israelense

Daoud Kuttab*, The Washington Post

No seu empenho para impedir que foguetes amadores continuem importunando os habitantes de algumas de suas cidades, Israel deu nova vida para o incipiente movimento islâmico nos territórios palestinos.Nos últimos dois anos, o Movimento de Resistência Islâmica (conhecido como Hamas) vinha perdendo apoio, interna e externamente.

O grupo assumiu o poder, democraticamente, no início de 2006. Apesar de colocado injustamente no ostracismo pela comunidade internacional por causa de sua posição anti-Israel, o Hamas desfrutava do apoio dos palestinos e de outros árabes. Tendo conquistado uma maioria parlamentar decisiva, com base em uma plataforma anticorrupção e promessas de reformas, o Hamas trabalhou arduamente para realizar um governo melhor que o do Fatah, seu rival e predecessor.

As coisas começaram a azedar quando o Hamas assumiu violentamente o controle de Gaza. Mesmo nessa ocasião, contudo, o grupo ainda tinha um apoio doméstico considerável e desfrutava de uma grande simpatia externa. O Hamas, porém, rejeitou todas as propostas de conciliação feitas por seus rivais da Organização de Libertação da Palestina (OLP) e por mediadores egípcios. Com isso, esse apoio diminuiu.

Tudo piorou em novembro, quando a tentativa de um acordo de união nacional, cuidadosamente planejado pelos egípcios, fracassou no último minuto porque os líderes do Hamas recusaram-se a ir ao Cairo. Ao não aceitar o convite para participar das negociações, o Hamas provocou uma enorme frustração nos egípcios que, junto com outros líderes árabes, censuraram publicamente o grupo.

EXIGÊNCIAS

O Hamas exigiu ter na reunião uma posição equivalente à do presidente palestino e queria que os prisioneiros mantidos na Cisjordânia fossem libertados. Muitos nacionalistas palestinos dizem que o Hamas recusou-se a participar das conversações somente para se esquivar das demandas por novas novas eleições parlamentares e presidenciais.

Uma pesquisa realizada pelo Centro de Comunicações e Mídia de Jerusalém indicou que muitos palestinos culpam o Hamas pelo fracasso das negociações. Segundo a pesquisa, patrocinada pela Fundação Friedrich Ebert, da Alemanha, para 35% dos entrevistados o Hamas era o grande responsável pelo impasse, enquanto 18% responsabilizaram o Fatah e 12% achavam que os dois grupos eram culpados.

A falta de apoio internacional desde as eleições de 2006 e, em seguida, a rejeição formal do único vizinho árabe de Gaza, o Egito, provocaram a deterioração do apoio interno ao Hamas. Em novembro, de acordo com a pesquisa, apenas 16% dos palestinos apoiavam o Hamas, enquanto quase 40% favoreciam o Fatah. Essa queda no apoio ao Hamas tem sido uma constante: há um ano, pesquisa similar mostrou que o grupo tinha apoio de 20% da população. Em agosto de 2007, esse apoio era de 22%. Em março de 2007, era de 25%. Em setembro de 2006, de 30%.

É por isso que, quando o cessar-fogo de seis meses com Israel chegou ao fim, o Hamas entendeu - ao que parece, corretamente - que não tinha nada a ganhar se a trégua continuasse. Incapaz de assegurar uma fronteira aberta e o fim do cerco israelense, o Hamas não teria nenhum outro caminho para reconquistar o apoio do público.

MOTIVOS

Por distintas razões, o Hamas e Israel desistiram do cessar-fogo, preferindo, em vez disso, passar por cima de corpos para alcançar seus objetivos políticos. Um lado quer ressuscitar o apoio da população, bancando o resistente heróico, enquanto o outro, às vésperas de eleições, quer mostrar firmeza para uma população inquieta com os disparos de foguetes Kassam.

Os ataques desproporcionais e cruéis de Israel contra Gaza favoreceram o Hamas. O movimento retomou sua posição no mundo árabe, garantiu mais apoio internacional e conseguiu sabotar as negociações indiretas entre sírios e israelenses e o diálogo direto entre palestinos e israelenses. Além disso, colocou uma saia-justa nos mais fortes vizinhos árabes de Israel, o Egito e a Jordânia.

Embora ninguém saiba como o confronto terminará, está bastante claro que o Hamas escapou da derrota política, ao mesmo tempo em que muitos líderes árabes moderados se viram forçados a rever o apoio a uma reconciliação com Israel.

Ao escolher os últimos dias do governo Bush para atacar Gaza, os israelenses sabiam que não enfrentariam uma oposição do líder da guerra contra o terror. Do mesmo modo que a desventura de George W. Bush no Iraque beneficiou os radicais e terroristas, a ação israelense produzirá o mesmo efeito na Palestina.

Tomara que o governo Obama tenha a consciência que os ataques a Gaza não somente são um crime de guerra, mas também uma ação cujos resultados são exatamente o oposto dos objetivos proclamados por ele durante a campanha.

*Daoud Kuttab é jornalista palestino e ex-professor da Universidade Princeton