Título: A aliança PT-PSDB em Minas
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2008, Notas e Informações, p. A3
Quando não é desvirtuado por lances que, a rigor, deveriam figurar no noticiário policial da imprensa, o jogo da política tem lá seus atrativos. Em temporadas pré-eleitorais, como esta que já provoca trepidações nos partidos com chances efetivas de emplacar em novembro os prefeitos das maiores capitais, a política oferece à fração do eleitorado que a acompanha uma narrativa conhecida, mas nem por isso tediosa. Começa com o inevitável torneio de ambições pessoais e partidárias, disfarçadas ou ostensivas. Essa competição, que é o metabolismo das democracias multipartidárias, se expressa nas tentativas de construção de convergências rivais dentro das legendas e entre elas. Afinal, por egocêntricos que sejam os políticos, eles sabem que ninguém é candidato de si mesmo.
Os mais atilados saberão também que, em determinadas circunstâncias, a história pode adquirir vida própria, servindo-se dos projetos individuais que lhe deram origem para a eventual decantação de novas realidades políticas, a cujos efeitos o País não ficará indiferente.
Talvez dê nisso o episódio, até agora mais interessante, da crônica das eleições municipais brasileiras de 2008 - se chegar a bom termo o inusitado arranjo em que se empenha o bem-sucedido governador tucano de Minas Gerais, Aécio Neves. Como se sabe, em parceria com o prefeito petista de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, igualmente popular, equilibrado e aberto ao diálogo, o neto do legendário quase-presidente Tancredo Neves concebeu uma aliança do PSDB com o PT em torno da candidatura do secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas, Márcio Lacerda, do PSB, ligado ao cearense Ciro Gomes, à sucessão de Pimentel.
Discretamente incentivado pelo presidente Lula, o esquema decerto resulta dos planos individuais de seus idealizadores para 2010, quando Pimentel sairia candidato a governador e Aécio, se não ainda a presidente, a senador. Tanto no PSDB quanto no PT não são poucas as resistências à composição (sobre a qual a cúpula petista vai se pronunciar segunda-feira), até por ser Minas o que é na política nacional. No PT, os contrários são os que não querem abrir mão de uma prefeitura do porte de Belo Horizonte nem para um partido, o socialista, que sempre esteve ao lado de Lula. No PSDB - com fraturas expostas por causa da intenção do ex-governador Geraldo Alckmin de concorrer com o prefeito aliado à sigla, Gilberto Kassab, do DEM - são os tucanos afinados com o governador José Serra os principais oponentes.
Afinal, já não bastasse Alckmin, no limite, atravessar o seu projeto presidencial, tudo que os serristas dispensam é o que possa fortalecer as aspirações semelhantes de Aécio. Já o ainda grão-companheiro José Dirceu defende o pacto mineiro com o argumento oposto: ¿Aquilo que é ruim para o Serra é bom para nós.¿ Explica-se. Na primeira eleição a presidente da República desde 1989 sem Lula candidato e para a qual o PT não tem um nome forte contra o atual favorito José Serra, o menos pior dos mundos seria perder para o tucano ultralight de Minas. A esta altura, em todo caso, o que se ouve de Aécio e de Pimentel são as racionalizações de costume para a obra comum de mútua conveniência. ¿Essa é uma aliança da generosidade¿, declama o governador mineiro. ¿Estamos abrindo mão de lançar candidato para construir algo em favor da cidade.¿
¿Em Minas as condições estavam já maduras¿ (para uma aliança PT-PSDB), Pimentel faz coro. ¿Após seis anos de convivência, o governador e eu criamos uma afinidade pessoal e identidades políticas.¿ Projetos de políticos não raro morrem na praia, isso quando chegam lá. Mas é fato também que, nas condições apropriadas de temperatura e pressão, como as que talvez comecem a se formar a partir de 2010 - ainda mais na (duvidosa) hipótese de que então Lula fique mesmo assando coelhos em São Bernardo -, os projetos tenderão a se descolar das intenções imediatas de quem os arquitetou. Por exemplo, a expressão ¿identidades políticas¿, limitada a um caso, poderá adquirir outro alcance. O próprio Pimentel defende que PT e PSDB venham a ter uma agenda nacional comum. Ciro Gomes fala em ¿reconciliação histórica¿. Descontadas a retórica e a incerteza, pelo menos assim a política dá uma pausa ao ramerrame de sempre.
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