Título: Operação começou em fevereiro, muito antes da CPI
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2008, Nacional, p. A4

Pelo menos duas reuniões, logo depois da demissão de Matilde, organizaram mobilização para montar dossiê

Na primeira semana de fevereiro, muito antes de a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Cartões ter sido instalada, no dia 11 de março, o Palácio do Planalto mobilizou toda a Esplanada dos Ministérios para coletar informações e montar um dossiê com dados sobre gastos do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) com cartões corporativos e contas tipo B. Supreendido com a divulgação da papelada, o governo deflagrou uma estratégia para despistar, dizendo que havia coletado as informações a pedido da CPI.

A operação dossiê saiu de pelo menos duas reuniões realizadas no Planalto, sob comando da ministra Dilma Rousseff e com participação dos ministros Paulo Bernardo (Planejamento), José Múcio Monteiro (Relações Institucionais) e Franklin Martins (Comunicação Social). Algumas vezes, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), foi ao Planalto consultar os ministros. Na prática, Jucá alimentava a base aliada com relatos sobre os dados sigilosos. No Guarujá, de férias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era informado sobre as estratégias para resistir à pressão da oposição em favor de uma CPI, depois de consumada a demissão da ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial), no dia 1º de fevereiro.

Foi depois de uma reunião no Planalto, com o governo decidido a coletar dados sobre a gestão FHC, que a Secretaria de Comunicação Social (Secom) resolveu distribuir um e-mail aos ¿coordenadores e assessores¿ de comunicação dos 37 ministérios e principais repartições da administração direta, pedindo que encontrassem prestações de contas antigas, personagens e relatórios de fiscalização, além de estatísticas de valores desembolsados desde 1998. Ao reunir dados sigilosos, sem solicitação jurídica ou da CPI, o governo teria de mantê-los longe de vazamentos, o que não aconteceu.

O e-mail da Secom, revelado pelo Estado, mostrava que o relatório dos ministérios deveria incluir o ¿comprovante de saneamento do erro¿, quando constatada irregularidade. Solicitava, ainda, que fossem apurados e identificados ¿personagens, de preferência alguém que estava na função (de gestor) antes da instituição do cartão¿ - ou seja, antes de 2001, no governo FHC, portanto.

Está escrito na mensagem que a coleta de dados deveria atender ¿sobretudo¿ aos ¿mecanismos tradicionais de gastos públicos utilizados antes¿, numa referência indireta à administração tucana. Esse e-mail contradiz a informação de Dilma de que não teria havido ¿investigação sobre o governo passado¿. Os dados eram concentrados na Casa Civil, sob coordenação da secretária-executiva, Erenice Guerra.

Logo depois que o passado começou a ser vasculhado, alguns ministros diziam abertamente, em Brasília, que o governo estava se armando para enfrentar o PSDB e o DEM. Comentavam que se a oposição queria saber dos gastos com Lurian, filha do presidente, então que se pegasse no arquivo morto das contas tipo B quais foram as despesas com Paulo Henrique, filho de Fernando Henrique.

Embora um ministro admitisse ontem que o vazamento devia ser ¿coisa de um aloprado do PT¿ para atingir Dilma como pré-candidata à sucessão de Lula, interlocutores do presidente fizeram circular a versão de que o suspeito seria um antigo servidor tucano infiltrado na Casa Civil.

Paulo Bernardo afirmou que não recebeu a mensagem da Secom nem soube dela, e sustenta que jamais soube da existência de qualquer dossiê. Explicou que só começou a levantar dados do Planejamento e solicitou que os demais ministérios fizessem o mesmo, diante do requerimento da CPI dos Cartões, expedido em 12 de março. ¿Eu relatei ao presidente Lula que havia recebido o primeiro requerimento da CPI e sugeri que, se ele não se opusesse, eu poderia coordenar o levantamento¿, contou.

Foi a partir daí que seu secretário-executivo, João Bernardo de Azevedo Bringel, reuniu os responsáveis pelas secretarias-executivas dos demais ministérios, há cerca de dez dias. Acertou-se, na ocasião, que o Planejamento centralizaria todas as informações.

Bernardo disse que ainda não examinou em detalhes a documentação já levantada. Observou, porém, que não é difícil concluir que as irregularidades são fartas. ¿Bastou passar os olhos e já deu para concluir que vai dar problema, em vários ministérios. A CPI certamente vai averiguar tudo e determinar providências.¿

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