Título: Europa deve agradecimento a Bush pai
Autor: Ash, Timothy Garton
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2008, internacional, p. A23

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Sua diplomacia paciente e hábil ajudou a reunir a Europa. Os futuros historiadores registrarão que a Europa deve muito ao presidente George Bush. Com paciência e habilidade, observarão, ele assumiu o papel de ¿parteiro¿ da histórica unificação da Europa Oriental com a Ocidental. O tratamento dado à Rússia foi quase magistral. Ao mesmo tempo, formou uma coalizão internacional impressionante para derrotar Saddam Hussein.

Estou me referindo, claro, a George Bush pai - George H. W. Bush. Lamento por seu filho. Agora que o presidente George W. Bush fez a que deve ser sua ultima visita oficial à Europa, para participar, na semana passada, de uma rancorosa reunião de cúpula da Otan em Bucareste, é doloroso pensar o quanto seu pai fez pela Europa em quatro anos e quão pouco (para não dizer pior) o filho realizou em oito.

Muitos dos pontos cardeais da política européia de Bush filho emergiram em Bucareste. Veja o escudo antimíssil, por exemplo. Bush fez sua primeira visita oficial ao velho continente no verão de 2001, determinado a convencer os europeus da importância desse escudo; e ele parece continuar convencido dela. Assim, esse projeto futurista continua avançando aos tropeções, com a assistência de poloneses e checos cada vez mais relutantes. O problema é que ele é totalmente irrelevante para as principais ameaças à segurança do mundo pós-11/9. Bush observou profundamente que um míssil pode voar tanto para o norte como para o oeste - apontando para o Irã ou para a Rússia. Mas a idéia de que, diante de um Irã com arma nuclear ou de terroristas internacionais com bombas sujas, você defende melhor a si e a seus aliados produzindo uma versão modernizada do que Ronald Reagan imaginou há 20 anos para agir contra a antiga União Soviética nuclear é tão inteligente quanto você ter um grande guarda-chuva sobre sua cabeça, enquanto as águas de uma enchente o cobrem até as coxas e uma piranha rói o seu calcanhar. Épocas diferentes exigem respostas diferentes.

E, depois, há o Afeganistão, onde as democracias ocidentais correm o risco de perder uma guerra que se pensava já estar ganha. Considero a guerra contra a Al-Qaeda e o Taleban plenamente justificada. Mas, num dos lugares mais implacáveis do mundo, essa batalha vai ser sempre dura, exigindo concentração, resistência e uma coalizão multilateral apoiada por uma liderança hábil. E isso Bush filho não conseguiu oferecer.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001, a Otan ofereceu seus serviços no Afeganistão. O então secretário americano da Defesa, Donald Rumsfeld, rechaçou essa oferta de solidariedade.

A principal razão pela qual estamos nesta situação desesperadora é que, antes que o sangue secasse nas montanhas do Afeganistão, o governo Bush se lançava numa aventura injustificada, imprudente e desastrosa nos desertos do Iraque. Um comandante americano da reserva e um ex-alto funcionário do Conselho de Segurança Nacional explicaram-me em detalhe como este rei George II simplesmente não conseguia se decidir entre as políticas alternativas impulsionadas por seus todo-poderosos barões no Pentágono, no Departamento de Estado e na vice-presidência. Num dado momento, os EUA tinham duas ou três estratégias no Iraque - e, em conseqüência, nenhuma.

Em resumo, o W de George Bush significa weak (fraco). Este Bush foi, nas coisas que realmente importam para o mundo, um presidente fraco, enquanto seu pai foi um mestre na arte da política internacional.

Não que o pai tenha feito tudo certo. A paciência de Bush pai e a realpolitik criadora de consenso tinham os vícios das virtudes. Em 1991, para manter sua coalizão intacta, ele não avançou para Bagdá, deixando problemas para seus sucessores. Da mesma maneira que fez uma também ¿realista¿ aliança com a família real saudita enquanto, nas mesquitas, o clero wahabita pregava o ódio baseado nos petrodólares.

Ao contrário de muita gente na Europa, e hoje em Washington, concordo basicamente com Bush filho quando faz uma crítica implícita do que ele considerava um realismo supostamente míope de Bush pai, em lugares como Arábia Saudita; quando afirma que, no final, a disseminação da democracia liberal é a melhor garantia de paz; e quando insiste que nem Vladimir Putin nem seu sucessor têm direito de determinar aos vizinhos da Rússia a que alianças devem se juntar. É a execução que tem sido desastrosa. A arte da política está totalmente ausente.

Compare a Alemanha de 1990 e a Ucrânia de 2008. Você pode ler em uma excelente narrativa histórica de dois jovens membros do governo de Bush pai, Philip Zelikow e Condoleezza Rice (a mesma), quão habilmente aquele presidente convenceu aliados relutantes, como Grã-Bretanha e França, a aceitar a reunificação alemã, e quão brilhantemente ele levou, brandamente, Mikhail Gorbachev a aceitar que a Alemanha reunificada aderisse à Otan.

Hoje, Bush filho enfrenta um revolta pública da Alemanha reunificada e da França em relação a sua proposta de pôr a Ucrânia no caminho para entrar na Otan. Putin, certamente, é uma noz mais dura de quebrar do que Gorbachev, e a Rússia ainda repercute as generosas concessões de Gorbachev, mas a ocasião para essa investida de Bush também é inadequada - ou seja, pouco antes de Putin transferir o cargo para seu sucessor. E a maioria dos ucranianos nem quer que seu país entre na Otan.

Mas não sejamos tão negativos. Afinal, a reunião de cúpula em Bucareste acomodou a Croácia e a Albânia na Otan. O que pode não ser comparável às realizações de Bush pai, no caso da Alemanha, mas é alguma coisa para os livros de história, não é? Diga o que quiser de George W: ele sempre terá a Albânia.

*Timothy Garton Ash, historiador britânico, é colunista do Guardian

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