Título: PF investiga participação de juíza em esquema que envolve prefeitos
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2008, Nacional, p. A4

Ângela Catão não está entre denunciados, mas polícia avalia que ela tem ligações com operador de fraudes

Trezentas páginas que compõem o inquérito federal 671/07 narram passo a passo como operava o esquema de liberação de recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e apontam para o suposto envolvimento da juíza Ângela Maria Catão Alves, da 11ª Vara Federal de Belo Horizonte.

O documento, sob guarda da Corregedoria do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1.ª Região (Brasília) e da Procuradoria da República, sustenta que a magistrada ¿tem plena consciência¿ de que Francisco de Fátima Sampaio - gerente afastado da Caixa Econômica Federal na capital mineira - representa os interesses de Paulo Sobrinho de Sá Cruz, lobista e dono do escritório PCM Consultoria Municipal.

Pelo menos dois juízes teriam ligações com a organização, segundo a Polícia Federal: Weliton Militão dos Santos, da 12.ª Vara Federal de Belo Horizonte, e Ângela Catão.

Há 12 dias a PF deflagrou a Operação Pasárgada e prendeu 17 prefeitos, 15 de Minas e 2 da Bahia, além do juiz Militão. Todos os suspeitos já foram libertados. A Corte Especial do TRF avaliou que o desembargador-corregedor Jirair Aram Meguerian, que decretou as prisões, não tinha função jurisdicional para tomar tal medida - e todos os atos que praticou seriam ilegais.

Na semana passada, o Ministério Público Federal denunciou o caso à Justiça e pediu ação penal contra Militão, o gerente da Caixa e outros servidores da União, por corrupção e lavagem de dinheiro. A PF afirma que Sá Cruz seria o mentor do golpe e o elo das prefeituras com a toga federal para resgatar verbas retidas. A trama teria provocado desfalque de R$ 200 milhões no Tesouro, nos últimos 3 anos.

RELAÇÕES PRÓXIMAS

Ângela não está entre os denunciados pela procuradoria, mas a PF avalia que ela mantém relações próximas com Sampaio, da Caixa. ¿Importante ressaltar a forma com a qual a juíza Ângela Catão recebe em seu gabinete o gerente da Caixa¿, assinala o inquérito, à página 98.

A investigação rastreia duas operações de liberação de dinheiro do FPM para a Prefeitura de Conselheiro Lafaiete (MG), em 10 de julho e em 10 de agosto de 2007, que resultaram na captação de R$ 766,8 mil. A PF informa que, em uma das ações, os autos foram retirados pela Procuradoria da Fazenda Nacional em 4 de julho e devolvidos 22 dias depois.

Nesse intervalo, em 10 de julho, a juíza teria despachado na mesma petição que o gerente da Caixa lhe entregara, ¿comprovando a defesa de interesses privados perante a Justiça Federal¿. No dia 11, ela ordenou expedição de ofício à Receita.

¿Tal movimentação somente foi registrada no site da Justiça Federal em 30 de julho, 20 dias depois da decisão mandando desbloquear os valores, sem possibilidade de defesa para a Fazenda Pública, atendendo com eficiência aos interesses da organização criminosa¿, acusa o inquérito. ¿Os valores foram efetivamente desbloqueados em agosto, com a decisão da juíza Ângela Catão, conforme extrato do Banco do Brasil.¿

HAPPY HOUR

Do auto de vigilância 03/2008 constam filmagens e diálogos interceptados que indicam a movimentação da organização para liberar valores do FPM de Lafaiete. Segundo a PF, o lobista Sá Cruz bancou contratação da dupla sertaneja Marcos e Santiel para animar happy hour na 11.ª Vara. Grampo mostra o gerente da Caixa contando ao lobista que ¿deixou claro¿ à juíza que foi ele, Sá Cruz, quem patrocinou o evento.

A interceptação revela que no dia 11 de julho o lobista cobra do gerente da Caixa retorno sobre a petição à juíza. ¿É... pois é... ela já deferiu tudo o que você pediu¿, responde Sampaio.

No dia seguinte, a conversa sobre os sertanejos. O gerente pergunta a Sá Cruz sobre a possibilidade de ¿levar os meninos lá pra doutora ver o showzinho¿. Dia 13, o lobista liga para o gerente e diz: ¿A comadre é quente.¿ Segundo a PF, era uma referência à juíza, que já havia oficiado à Receita. Sampaio gaba-se: ¿Comigo não tem brincadeira não, ué.¿

O relatório da investigação é incisivo, à página 100: ¿Vê-se que Sampaio goza de toda a intimidade de drª Ângela, inclusive esta conversa com ele sobre processos e despacha petições a ela levadas pelo gerente da Caixa, que não é advogado, nem procurador das partes.¿

Segundo a PF: ¿A juíza aceita apresentação gratuita dos cantores empresariados por Sá Cruz; consegue, através de Sampaio, obter financiamento para Vany, sua empregada, de forma aparentemente ilegal; e pede a Sampaio para conseguir a compra de um carro muito mais caro do que aquele que ela dará em pagamento.¿

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