Título: Lula diz que índios defendem fronteiras
Autor: Nossa, Leonencio
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2008, Nacional, p. A12

Presidente chama de `bravata¿ tese de general que vê ameaça à soberania

Com elogios ao patriotismo dos índios, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva rebateu ontem o argumento do general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, de que a política indigenista seria ¿caótica¿ e a criação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, na fronteira de Roraima com a Guiana e a Venezuela, ameaçaria a soberania do território nacional.

Em discurso no lançamento do Plano Amazônia Sustentável, no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou de ¿bravata¿ a tese dos que vêem riscos de ocupação estrangeira. ¿Quem fala isso não fala com muita convicção¿, disse. ¿Acho que quem quer as coisas de verdade não tem de ficar fazendo bravata. Se ela foi nossa desde que aqui Cabral pôs os pés, por que nós agora temos de ter preocupação com a Amazônia?¿

O discurso de Lula ocorre três dias depois de ataque promovido por funcionários do arrozeiro Paulo César Quartiero contra índios que ocupavam sua fazenda localizada dentro da Raposa Serra do Sol. O atentado deixou nove indígenas feridos a bala e levou à prisão de Quartiero, seu filho e seis empregados. A demarcação da reserva é alvo de disputa judicial, a ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - há expectativa de que isso ocorra até o fim do mês.

HISTÓRIA

Em sua fala, ao lado do líder indígena Gecinaldo Sateré, Lula observou que os índios já defendiam o território amazônico antes da chegada dos militares à região. Na avaliação do presidente, os ¿confrontos¿ nos debates sobre o assunto resultam da ignorância e da falta de informação. ¿Muitas vezes somos contra ou a favor, sem saber muito, pelo que ouviu dizer¿, afirmou. ¿Quem ousa dizer que os índios colocam em risco a soberania do País? É só ir em São Gabriel da Cachoeira para a gente perceber que grande parte dos militares é índio.¿

A avaliação de que há uma ¿análise distorcida¿ da demarcação já havia sido feita pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, em entrevista ao Estado em 22 de abril. Nela, Tarso admitiu que o governo havia pedido a batalha da comunicação no episódio e classificou de ¿equívoco a visão de que seis arrozeiros podem desconstituir um trabalho de maturação que atravessou diversos governos¿.

No discurso, visto por pessoas na platéia como um recado ao Alto Comando Militar, Lula lembrou que índios foram e são usados na demarcação e proteção das divisas. Na véspera, ele definira com ministros que aumentará o efetivo militar na fronteira.

A visão do governo é que a soberania da região depende também da inclusão social, de direitos de cidadania e de obras de infra-estrutura. O presidente comparou a situação dos índios aos cidadãos de favelas de cidades sem infra-estrutura. ¿Se um índio não receber as funções do Estado vai ser tão rebelde quanto um cidadão numa favela do Rio sem água e esgoto¿, disse. ¿O que está faltando ao Brasil é assumir a Amazônia dentro do seu discurso.¿

Ele recomendou aos críticos que procurem informações sobre a ¿sabedoria¿ de especialistas e de gente que vive na região para entender a floresta. ¿Somos quase analfabetos no conhecimento que temos da Amazônia.¿ Na platéia, além de ministros e representantes de ONGs, estavam os governadores de Mato Grosso, Blairo Maggi, e do Pará, Ana Júlia Carepa, dirigentes dos Estados com as taxas mais elevadas de desmatamento.