Título: Grampo sobre propina, a arma contra Dantas
Autor: Fausto Macedo e Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2008, Nacional, p. A9

Banqueiro e seu executivo Humberto Braz foram apanhados discutindo como chegar a Protógenes

Uma das principais provas da Justiça contra o banqueiro Daniel Dantas é uma conversa mantida pelo controlador do Grupo Opportunity com o executivo Humberto José da Rocha Braz, um dos dois homens acusados de oferecer US$ 1 milhão ao delegado federal Vítor Hugo Rodrigues Alves Ferreira. Eram 15h43 do dia 29 de abril quando o próprio banqueiro telefonou para o homem apontado pela Polícia Federal como o responsável pelas ações de espionagem do grupo.

Dantas menciona o que, segundo a PF, seriam os nomes de duas outras pessoas envolvidas na tarefa de buscar uma aproximação com o coordenador da Operação Satiagraha. Esta começava a ser gestada na Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da Superintendência da PF em São Paulo. Uma dessas pessoas é tratada como Chico e a outra como Aline - a PF tenta identificá-los.

Dantas menciona uma discussão no grupo sobre o assunto - três dias antes, a investigação sigilosa contra o banqueiro havia siso noticiada pela Folha de S. Paulo. Seu grupo tentava descobrir, conforme mostram as escutas, quem estava conduzindo a apuração e onde estava sendo feito o inquérito. Queriam ter acesso às provas e saber o alcance da investigação.

Logo no começo do diálogo, Dantas deixa claro qual era seu objetivo: ¿Meio que colocou que o objetivo continua sendo o original... e quem tá responsável é esse Protógenes mesmo...¿, afirma o banqueiro.

Braz responde que concordava com o chefe. ¿Aliás, eu não tenho dúvida¿, diz. Em seguida, conta que a pessoa que os está ajudando ¿tem um contato ali que ele quer proteger até o fim da vida¿. Dantas, então, faz uma pergunta a Braz: ¿Mas minha pergunta é: se dá, se a gente já sabe quem é o endereço... se não podia entrar em contato?¿ Braz então conta que já havia entrado. ¿E ele disse que não¿.

Dantas insiste: ¿Mas não entrou diretamente¿. Braz respondeu que ¿entrou, entrou, entrou¿ e confirma que foi por meio de algum intermediário. ¿Mas se entrar diretamente, também vai dizer que não¿.

PROPINA

A PF e a Procuradoria da República não têm dúvidas de que os dois acalentavam a possibilidade de corromper Protógenes antes de procurar o delegado Vitor Hugo e lhe oferecer US$ 1 milhão. ¿Nós estamos bolando um caminho aqui... um caminho jurídico aí¿. O banqueiro então pergunta se o ¿negócio do Carvalho já entrou¿, referindo-se ao advogado Nélio Carvalho.

Para a PF, o diálogo mostra que Dantas possuía um informante ¿que confirmou a existência de um procedimento investigatório que tinha o banqueiro como alvo¿. A outra saída, a jurídica, que o grupo estaria montando envolveria os advogados Wilson Mirza, Nélio Machado e Ilana Müller. Eles entraram com pedido na Justiça Federal em São Paulo para saber se havia alguma investigação contra Dantas e acabaram obtendo no Supremo Tribunal Federal (STF) a ordem para que fosse garantido ao banqueiro o acesso aos autos da apuração.

Ao acolher a denúncia contra o banqueiro sob a acusação de corrupção ativa, o juiz Fausto De Sanctis listou o diálogo como um dos principais indícios da participação de Dantas na trama para corromper o delegado Vitor Hugo. Segundo apurado pela PF, depois desse diálogo o professor Hugo Chicaroni foi procurado por um dos advogados ligados a Dantas. Tratava-se de Mirza, que lhe perguntou se ele conhecia Protógenes. Chicaroni disse que sim. Em meados de maio, Protógenes foi procurado por Chicaroni. O delegado despistou, dizendo que não estava mais com a investigação e indicou o delegado Vitor Hugo. Finalmente, no dia 11 de junho, o Vítor Hugo foi procurado por Humberto Braz, o mesmo homem que teve a conversa com Dantas interceptada pela PF.

REUNIÃO

Braz, segundo relatório da inteligência da PF, queria ¿agendar uma reunião¿ com o delegado Vitor Hugo. Foi justamente esse pedido de encontro que levou os federais até o gabinete do juiz De Sanctis com um pedido para que fosse realizada uma ação controlada. Ou seja, o delegado fingiria aceitar o suborno apenas para colher mais provas contra a suposta organização criminosa comandada por Dantas. As provas obtidas por meio dessa ação permitiram à PF apreender R$ 129 mil antes da Operação Satiagraha - o dinheiro corresponde às duas parcelas de adiantamento da propina pagas ao delegado.

Em um dos encontros com Vitor Hugo, Chicaroni compareceu acompanhado por Braz. Na gravação das conversa feita pela PF, Braz levantou o dedo indicador para cima a fim de mostrar que ¿o valor da alçada¿ seria US 1 milhão - até então a proposta de suborno era de US$ 500 mil. Em seguida, ele diz: ¿Em duas parcelas: a primeira antes da operação e a segunda depois¿. Dantas queria ter certeza de que seu nome, o de seu filho e o de sua irmã Verônica seriam excluídos do inquérito pelo delegado.

Em outra conversa gravada, Chicaroni diz ao delegado que havia recebido a autorização de Dantas para oferecer US$ 1 milhão. Na casa de Chicaroni, a PF achou R$ 1,18 milhão, dos quais R$ 850 mil teriam sido entregues a Chicaroni por pessoas ligadas ao Opportunity.