Título: Antes era inimaginável obter ação contra juiz ou deputado
Autor: Rodrigues, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2008, Nacional, p. A11

Apesar de reconhecer as limitações da lei, ela não vê motivos para frustração e acha que investigações ganharam dinamismo

Depois de meses de investigação, a procuradora da República Cristina Romanó e dois colegas conseguiram levar para trás das grades o deputado estadual fluminense Álvaro Lins (PMDB). No entanto, ele só ficou uma noite na cadeia. Foi libertado pelo voto da maioria do plenário da Assembléia Legislativa do Rio, que invocou a imunidade parlamentar.

Com a experiência de quem processou o ex-líder iugoslavo Slobodan Milosevic na Corte Internacional de Haia, Cristina assumiu esta semana a chefia da Procuradoria Regional da República da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), que tem a missão de investigar prefeitos, deputados estaduais e magistrados. Em entrevista ao Estado, ela defende o fim da imunidade, mas não vê motivos para frustrações - diz que os poderosos não são mais inatingíveis.

Há no Rio parlamentares acusados de integrar milícias, ordenar homicídios, liderar quadrilhas. O perfil de crimes está mudando?

O que está mudando é a atuação investigatória da Polícia Federal e do Ministério Público, que está muito mais dinâmica. Em princípio, acho que não há uma tendência crescente de crime entre os políticos, isso sempre houve. Não mudou a maneira de alguns deles quererem perpetrar crimes e se locupletar. Isso hoje está aflorando, vindo a público. Passei quase dez anos fora do Brasil e a maior mudança que notei foi isso. Antigamente, era inimaginável ou muito difícil conseguir ação ou mandado de prisão contra um juiz ou um deputado influente. Até pela dificuldade de conseguir a prova. A PF se equipou muito melhor.

Mesmo sem condenações, há motivos para comemorar?

O Brasil é um país jovem. A evolução vai ser muito lenta, mas não dá para esquecer que há um avanço. Claro que há frustrações, mas hoje a sociedade brasileira está tendo resposta. Vi no jornal um artigo dizendo que finalmente o ladrão de galinha viu a prisão do banqueiro. É uma realidade. Pode haver excesso, mas a gente vai se adequar. Já o produto final, que é a condenação, ainda está muito longe no Brasil.

O que a senhora pensa sobre a imunidade parlamentar?

Acho que não há fundamento. A imunidade é herança do colonialismo. Exatamente por exercerem função pública, políticos têm que ser tratados até com maior rigor. Têm de ter uma certa garantia para o exercício da função, mas isso não pode resultar na total imobilidade do Judiciário. E é o que às vezes acontece. No caso do Álvaro Lins, se ele tivesse respondendo a um juiz de 1ª instância da Justiça Federal, teria 15 dias para responder e o juiz decidiria. Aqui, são 23 desembargadores. O relator faz um relatório, submete ao plenário, um está de férias, outro pede vista... São 23 visões diferentes! É muito trabalhoso. E para quê? Qual é a vantagem?

A senhora ficou frustrada ao ver Lins ser libertado?

Não. Sempre achei que isso iria acontecer. A prisão era correta, mas a Assembléia estava no papel dela.

A senhora visitou Kosovo para recolher provas contra Milosevic, mas ele morreu antes da sentença. Ficou decepcionada?

Ele estava manipulando o julgamento com a sua saúde. O fato de não ter uma decisão é uma decepção. Por outro lado, é um alento saber que aquela história foi contada, o mundo inteiro soube, a humanidade se sensibilizou. É um bom paralelo com o que estamos vivendo no Brasil. Mesmo sem condenações, estamos mostrando. É um passo.