Título: O déficit do FAT
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/01/2010, Notas & Informações, p. A3

Agora, depois que a economia brasileira absorveu os principais efeitos da crise internacional, se pode constatar que não foi apenas uma "marolinha" que atingiu o mercado de trabalho do País. Ao registrar, em 2009, o primeiro déficit operacional desde sua criação há 19 anos, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) mostrou como a crise internacional afetou a vida de milhões de trabalhadores brasileiros. No ano passado, o FAT desembolsou a quantia recorde de R$ 19,57 bilhões para o pagamento de seguro-desemprego a 7,75 milhões de pessoas. O valor é 33% superior ao total de seguro-desemprego pago em 2008. O pagamento de abonos salariais a trabalhadores que recebem até dois salários mínimos também foi recorde, atingindo R$ 7,28 bilhões, 24% mais do que o valor pago em 2008.

Como as receitas não cresceram na mesma velocidade, o FAT registrou, no ano passado, um déficit operacional de R$ 1,8 bilhão, valor correspondente a 75% do ganho registrado em 2008, quando a crise ainda não havia atingido o mercado de trabalho brasileiro com toda a intensidade. O resultado operacional do ano passado só não foi pior porque o FAT não aplicou recursos suficientes nos programas de qualificação profissional e de intermediação de emprego, como deveria ter aplicado, pois esta é uma de suas finalidades. Em 2009, os gastos com essas funções foram 70% e 66% menores, respectivamente, do que os de 2008.

Mas o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, não demonstra preocupação com esse resultado. O FAT conta com cerca de R$ 15 bilhões em reservas técnicas para a cobertura de déficits operacionais como o registrado em 2009. Lupi não acredita que seja necessário utilizar as reservas para a cobertura de novos déficits. Ele prevê que, passada a crise, cairá o número de trabalhadores que receberão o seguro-desemprego e aumentará a receita do FAT, formada pelas contribuições para o PIS-Pasep e pela remuneração das transferências feitas para o BNDES, que aplica os recursos em projetos de desenvolvimento.

Mesmo com a recuperação do nível de emprego, porém, persiste no mercado de trabalho um problema que provoca um grande número de pedidos de seguro-desemprego, que é a alta rotatividade da mão de obra. Outro fator que faz crescer os desembolsos do FAT é o aumento real do salário mínimo em ritmo bastante alto. Os benefícios do FAT são proporcionais ao salário mínimo. Além disso, quanto maior for esse salário, maior será o número de trabalhadores que recebem menos de dois salários mínimos e, por isso, têm direito ao abono salarial anual, cujo valor unitário também será maior.

O déficit nas demonstrações anuais do FAT é, sim, motivo de preocupação, pois esse fundo, além de seu papel social, é uma das principais fontes de recursos do BNDES para financiar os investimentos do setor privado.

Há, ainda, um componente político que pode agravar o problema financeiro do FAT. A gestão de seu patrimônio, atualmente de R$ 160 bilhões, é da competência do Conselho Deliberativo (Codefat), formado por representantes do governo, dos trabalhadores e dos empregadores. Ao longo dos 19 anos de existência do FAT, a presidência foi exercida de acordo com um sistema rotativo, que contemplava cada uma das partes. Mas Lupi decidiu politizar o sistema.

No ano passado, com a anuência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Lupi impediu que fosse empossado na presidência do Codefat o representante da Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil (CNA), como estava previamente acertado, pois a presidente da entidade, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), é da oposição.

Lupi colocou no cargo o representante da Confederação Nacional de Serviços (CNS), entidade sem tradição no meio empresarial, pois fora criada menos de um anos antes. Em repúdio à interferência do ministro no Codefat, os representantes da indústria (CNI), do comércio (CNC) e do sistema financeiro (Consif), além dos da agricultura (CNA), deixaram o conselho, que só recentemente o governo conseguiu recompor.