Título: É preciso aprender com os chineses
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2010, Economia, p. B10/11

Em vez de lamentar os efeitos negativos da competição com a China, o Brasil e seus vizinhos devem aprender com o modelo de crescimento chinês e usar de maneira criativa o poder de barganha dado pela dependência chinesa em relação às commodities que produzem para fortalecer a indústria local.

A receita é do economista americano Kevin Gallagher, que escreveu em parceria com o uruguaio Roberto Porzecanski o livro The Dragon in the Room: China and the Future of Latin American Industrialization. Editado pela Stanford University Press, será lançado nos EUA em outubro. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado em Pequim:

Quais são as principais conclusões do livro?

A emergência da China contribuiu de maneira significativa para o crescimento econômico da América Latina, especialmente a América do Sul. A demanda chinesa por produtos como minério de ferro, soja e cobre não só criou novo mercado de exportação para a região, mas também elevou o preço dessas commodities. Mas, no longo prazo, as implicações podem ser preocupantes. A permanência no caminho da exportação de commodities pode ser problemática em termos de taxa de câmbio, criação de empregos e degradação ambiental. Outro problema é que a China está superando os produtos industrializados da América Latina em terceiros mercados e na própria região. Nós calculamos que 94% de toda a indústria manufatureira latino-americano estão sob ameaça da China, o que representa 40% das exportações da região. Mais do que focar nos impactos negativos da China, a América Latina deveria aprender da China sobre como se globalizar, como construir indústrias competitivas e como conciliar políticas macro e microeconômicas. Eu não quero romantizar o modelo chinês de desenvolvimento, mas há muitas coisas que eles fizeram melhor que o Consenso de Washington.

É possível adotar elementos do modelo chinês em uma realidade tão diferente?

A China tem um Estado poderoso e alta taxa de poupança, que dá ao país imensa capacidade de investir, algo que o Brasil não possui. É um grande desafio. Passei uma semana no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e vi que eles estão ajudando empresas brasileiras a conquistar mercados de exportação, desenvolver energia eólica, fortalecer a indústria de software. São passos na direção certa. Na América Latina, muitos países liberalizaram setores da noite para o dia e as companhias não estavam prontas para competir. A China tem setores liberalizados e outros com forte apoio do Estado. Deng Xiaoping disse que o processo de liberalização seria como cruzar um rio sentindo cada pedra. Às vezes, tenho a impressão de que os latino-americanos se atiram no rio sem saber como nadar nas águas da globalização.

A receita do Consenso de Washington pode ser prejudicial para os países da América Latina quando eles enfrentam a concorrência da China, onde o Estado é forte e há um grau de proteção a setores da economia?

Com certeza. Eu não acho que a América Latina deva voltar ao período de 1950 a 1982, porque a liberalização era necessária. Mas acredito que se foi muito longe nessa direção e agora é o momento de ser mais pragmático e pensar setor por setor, commodity por commodity e ver qual é o mix eficiente de Estado e mercado. Na China, o Estado tem presença grande no setor automobilístico, que é mais complexo. Mas, no eletrônico, o Estado não tem papel muito relevante e o setor privado domina. Há muito que aprender e espero que instituições dentro e fora do governo estejam surgindo no Brasil para estudar o modelo econômico chinês.

O senhor vê risco de desindustrialização do Brasil em razão da concorrência chinesa?

Certamente isso não vai acontecer amanhã. Há muitas oportunidades para o Brasil trilhar o caminho correto. Mas o pior cenário é a desindustrialização. O desafio para o Brasil é usar o mercado de exportação de commodities à China como alavanca para balancear o crescimento econômico.

Qual é a importância da América Latina para a China?

A China precisa muito da América Latina. Cerca de um quarto da importação de commodities do país vem da região. Isso dá à região poder de barganha para dizer: "Vamos vender nosso minério de ferro se vocês fizerem joint venture para construir uma siderúrgica aqui com um centro de pesquisa e desenvolvimento", por exemplo. É o que a China fez com os investidores estrangeiros. É a isso que me refiro quando falo da necessidade de aprender com os chineses.