Título: Nanotecnologia vai revolucionar a vida das empresas e das pessoas
Autor: Siqueira, Ethevaldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2011, Economia, p. B7

Tão ou mais impactante que a eletrônica e a biotecnologia, ciência deverá ser o grande diferencial entre países desenvolvidos em 2020

Imagine tecidos que não molham, não sujam, nem mancham. São os nanotecidos. Ou o alumínio, transformado num pó finíssimo, que é um perigoso explosivo. Ou o ouro nanométrico, que tem propriedades surpreendentes, a começar pela cor avermelhada. A prata em nanopartículas é um dos mais poderosos bactericidas. Os nanocristais de óxido de zinco permitem a fabricação de telas ou filtros solares invisíveis e que bloqueiam a luz ultravioleta.

Assim é a nanotecnologia, uma ciência com jeito de magia. Altamente interdisciplinar, ela associa física, química, eletrônica, biologia, ciência dos materiais e praticamente todas as disciplinas da engenharia. Seu impacto na economia e na vida humana poderá superar, talvez, o da microeletrônica e o da biotecnologia. Por tudo isso, deverá ser o grande diferencial entre as nações desenvolvidas, por volta de 2020, na opinião de muitos cientistas.

O Brasil já domina vastos segmentos da nanotecnologia. E está, seguramente, entre os 15 países mais desenvolvidos do mundo nessa área. Essa é a avaliação do professor Henrique Toma, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), um dos mais respeitados cientistas do País nessa especialidade.

No laboratório da USP trabalham 20 pesquisadores doutores (PhDs), sob a liderança do professor Toma, envolvidos na pesquisa e no desenvolvimento de aplicações das propriedades dos nanomateriais, nanopartículas e nanomoléculas. O laboratório conquistou mais de uma dúzia de patentes apenas em 2010. A USP não é a única universidade com pesquisas avançadas em nanotecnologia. A Universidade de Campinas, Unesp e Universidade Federal de Minas Gerais e a PUC Rio, entre outras, já desenvolvem há alguns anos seus projetos e revelam surpreendentes avanços nessa área.

O Brasil conta hoje com mais de 500 pesquisadores. Na indústria, a experiência brasileira já apresenta os primeiros bons resultados. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) conta com um grande laboratório especializado. Diversas empresas privadas se dedicam a essa área, entre as quais, Rhodia, Braskem e a Plásticos Mueller.

Petróleo. A nanotecnologia poderá, talvez, duplicar a produção das jazidas de petróleo conhecidas em todo o mundo. Mesmo naquelas consideradas esgotadas. Com a tecnologia atual, a indústria não extrai mais do que 30% do petróleo das jazidas, porque 70% do óleo permanece no subsolo, impregnado nas rochas, em especial naquelas formadas de carbonato de cálcio (CaCO3), como um líquido dentro de esponjas.

O Brasil se prepara para retirar o máximo possível desses 70% de petróleo que ainda permanece nas jazidas. A USP desenvolve uma pesquisa, pioneira no mundo, que pode ter impacto revolucionário, visando a retirada do petróleo contido nas rochas porosas, com financiamento da Petrobrás.

E deverá conseguir esse objetivo graças a uma propriedade da magnetita, um minério de ferro muito conhecido. Só a magnetita tem propriedades magnéticas que interessam para essa aplicação, porque esse pó adere ao petróleo, que se transforma, assim, em uma mistura magnética, passível de ser atraída por ímã. A ideia dos pesquisadores da USP é extrair o petróleo das entranhas porosas usando nanopartículas de magnetita ou um processo semelhante.

Será algo como usar um super ímã, que, aliás, já existe. O minério sintetizado, em nanoescala, como um pó finíssimo, apresenta um grau de magnetização extremamente elevada.

Saúde. Além da possibilidade de viabilizar a extração de petróleo das rochas porosas, esse nanopó de magnetita deverá ter grandes aplicações em biotecnologia e medicina.

Na medicina, uma aplicação possível será usar esse pó magnético para conduzir, orientar e controlar a liberação de medicamentos, para que eles atuem em locais específicos do corpo humano. Ou para ação prolongada em determinado órgão ou local do organismo, pelo tempo necessário. Vale lembrar que o óxido de ferro não causa nenhum dano ao paciente, pois o organismo o elimina.

Esse nanopó magnético é usado para melhorar a imagem dos exames feitos por tomografia. A resolução torna as imagens até 100 vezes melhor do que as convencionais. A USP patenteou tanto o processo, como o pó nanométrico de magnetita. Seu preço não ultrapassa alguns centavos o grama. Em breve ele substituirá o material hoje utilizado, muito mais grosseiro - e que custa de US$ 1.700 (ou R$ 3 mil) por mililitro. Pesquisas em curso no Hospital das Clínicas de São Paulo testam outras aplicações possíveis desse pó nanométrico de magnetismo em medicina, inclusive no diagnóstico de células cancerosas.