Título: Falta agilidade na questão cambial
Autor: Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2011, Economia, p. B8

Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), avalia que o governo federal poderia ser mais "ágil" para conter a valorização do real. Ele reconhece que a administração Dilma "está começando", mas diz que as medidas tomadas até agora são insuficientes. O Ipea é subordinado à Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República. Economista e professor da Universidade de Campinas, Pochmann diz que a presidente tem condições de cumprir sua promessa de erradicar a pobreza até 2014, mas não vê mais necessidade de ampliar o Bolsa-Família. "É necessária uma série de ações que permitam às pessoas caminharem com as próprias pernas", disse. A seguir, trechos da entrevista:

A presidente Dilma Rousseff prometeu erradicar a miséria no Brasil. É possível alcançar esse objetivo até 2014?

É possível. Há 30 anos, tínhamos uma taxa de pobreza extrema que equivalia a quatro brasileiros a cada dez. Hoje, temos um brasileiro a cada dez nessa situação. Portanto, estamos aprendendo a enfrentar melhor o problema e é perfeitamente factível superar essa condição. É claro que é necessária uma sofisticação das políticas. O governo começa bem quando cria uma equipe ministerial para tratar justamente desse tema de superação da pobreza.

É necessário ampliar o Bolsa-Família e os programas de transferência de renda?

De forma geral, esse tipo de programa já universalizou. Talvez ainda exista uma parcela que não foi atingida, mas os indicadores mostram uma perfeita focalização no atendimento da população-alvo. Acredito que a tarefa principal - e a presidente Dilma chamou a atenção para isso - é construir uma série de ações que permitam às pessoas saírem do programa e caminharem com as próprias pernas. Não há dúvida que, à medida que o País cresça e amplie seu mercado de trabalho, as pessoas vão ser mais produtivas. Transferência de recurso alivia, mas não resolve a pobreza.

O Brasil precisa de um ajuste fiscal?

Já superamos aquela etapa que predominou nos anos 80 e 90 em que a meta do Brasil era o ajuste fiscal permanente. Hoje, o tema central é o desenvolvimento. O ajuste fiscal não pode ser um fim em si mesmo. É um meio para sustentar o desenvolvimento de um país. Nesse sentido, não tenho dúvida que é plenamente possível haver ajustes nas finanças públicas, especialmente naquelas áreas cujo gasto é improdutivo para o país. O Brasil gasta demasiadamente com juros. O País compromete de 5% a 6% do PIB pagando juros da dívida interna.

Mas o sr. vê necessidade de enxugar o quadro de funcionários públicos?

Não acho que seja um problema de custeio. A questão fundamental é ver como realocar o gasto de custeio em investimento. A melhor política que o Brasil pode fazer para enfrentar a inflação, e ao mesmo tempo garantir o desenvolvimento, é ampliar os seus investimentos. O que o governo puder reduzir dos seus gastos de custeio para ampliar os investimentos, será a melhor receita para sustentar o crescimento no longo prazo.

O Brasil enfrenta um processo de desindustrialização?

Temos alguns sinais. Alguns setores estão convivendo relativamente bem com a moeda valorizada, especialmente as commodities. Mas temos setores que estão com grandes problemas, principalmente na indústria. O tema cambial precisa ser olhado com cuidado. Existem muitas políticas que podem ser adotadas para reduzir a pressão do câmbio sobre determinados setores, como incentivar a inovação tecnológica, reduzir tributos ou melhorar a produtividade. Não há dúvida que vários países não conseguiram resolver internamente seus problemas, a competição internacional se acirrou e a moeda é chave nesse sentido. Os EUA têm uma política de desvalorização da sua moeda, que é extremamente interessante para ampliar suas exportações. E isso afeta o Brasil. Acredito que o Brasil deveria ser um pouco mais ousado no controle de recursos que chegam em demasia. Muitas vezes, não são recursos comprometidos com o investimento, mas recursos especulativos. Há muitas medidas que podem ser tomadas nesse sentido e o governo vem tomando, de forma gradual. Do meu ponto de vista, poderia ser mais rápido e mais ágil. Mas eu também entendo que é um governo que está começando e tem mais cuidado do que normalmente.

O sr. também compartilha da opinião de que no governo Dilma temos um Banco Central e Ministério da Fazenda mais alinhados? A Fazenda ficou mais ortodoxa ou o BC mais heterodoxo?

Vamos precisar de algum tempo para avaliar isso. Diferente do governo Lula, em que havia uma tensão, nesse início de governo, aparentemente, há um afinamento. Não dá para ver se é pelo lado de maior ortodoxia ou menos ortodoxia ou se essa coordenação vai dar resultado. A pior situação nesse momento seria o BC elevando os juros, enquanto uma política fiscal mais flexível amplia a liquidez.

O sr. está preocupado com a inflação? O Copom deveria subir os juros?

De fato, tivemos uma aceleração em determinados níveis de preços. Algumas razões são específicas, como o preço dos alimentos. O que me preocupa em utilizar os juros para enfrentar a inflação é que a política monetária tem um efeito generalizado na economia, e não ataca apenas os setores que estão com problemas. Existe um arsenal de outras políticas que poderiam atuar mais focadamente, como ampliação de importação e redução de tributos, política de inovação tecnológica. Há uma série de alternativas que seriam mais úteis do que a simples elevação de juros, que certamente dá tranquilidade ao Banco Central para buscar a meta de inflação, mas pode comprometer a economia como um todo ao longo do ano.

O Ipea tem sido criticado por defender as teses do governo. Na campanha da então candidata Dilma, foram publicados comunicados do instituto com teses que favoreciam o governo. Como o sr. responde a essas críticas?

Acho que é natural. Eu venho da universidade e entendo que a crítica é necessária para a construção do conhecimento. De maneira geral, são críticas positivas. Em algumas ocasiões, os críticos dizem que o Ipea fez um texto que vai de encontro à posição do governo. Mas também somos criticados dentro do governo pelos estudos que fazemos. Na minha avaliação, se temos críticas dos dois lados, é porque o Ipea está funcionando de forma autônoma e compromissada com a sua missão, que é a produção e a difusão do conhecimento.