Título: Proposta de Mubarak não dispersa multidão
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2011, Internacional, p. A9

''Não sairemos daqui'', dizem participantes de manifestação que juntou 1 milhão no Cairo

Após um dia inteiro de protestos, a multidão de centenas de milhares de pessoas na Praça Tahrir, no centro do Cairo, assistiu por um telão ao discurso de Hosni Mubarak, mas pareciam longe de aceitar as propostas do líder que querem ver deposto. "Não sairemos daqui", asseguravam os manifestantes, que exigiam a renúncia imediata do presidente.

Emilio Morenatti/ApUnião. Manifestantes participam de marcha contra o governo egípcio na Praça Tahrir Eram analfabetos, doutores, cristãos, muçulmanos, jovens, crianças e velhos reunidos em um local que, por algumas horas, foi o espelho da sociedade egípcia. Apesar da diversidade de ideologias, todos tinham o mesmo discurso: Mubarak precisa sair e um regime democrático precisa ser estabelecido no Egito. Apesar dos esforços do governo para frear a manifestação, o evento de ontem foi o maior do Egito nos últimos 30 anos, desde que Mubarak assumiu o poder. Agências de notícia chegaram a falar em até em 1 milhão de pessoas nas ruas no Cairo, Alexandria e Suez. O lema era um só: 80 milhões ou 1, em referência à população do Egito e seu líder.

Na praça, Mubarak foi enforcado, levado em um caixão, espancado e até incendiado. Pelo menos isso foi o que ocorreu com bonecos que representavam o ditador. Faixas ainda pediam um julgamento para os crimes que cometeu e o dinheiro que teria roubado. Do alto de um poste, um egípcio espancava com sapatos um uniforme da polícia, símbolo da repressão de Mubarak.

"O povo do Egito está provando que a democracia pode sim surgir no Oriente Médio", afirmou Slim al-Awar, um dos principais defensores de direitos humanos do Egito. A falta de união da oposição unificada também se refletiu na manifestação. Apesar das milhares de pessoas, o local não contava com um palanque. Cada grupo entoava suas palavras de ordem, usando alto-falantes que, com o barulho dos helicópteros militares que sobrevoavam a região, tornavam a mensagem incompreensível em muitas ocasiões.

De um lado, líderes islâmicos faziam discursos improvisados. De outro, a burguesia egípcia se reunia com suas roupas ocidentalizadas e de grife para protestar. "Não queremos Mubarak, mas não queremos um Estado islâmico", afirmou uma economista de 28 anos que não quis se identificar. Nos ombros dos pais, crianças também faziam parte de pequenos grupos de manifestantes, com gritos de guerra. Nem sempre acertavam o deveriam dizer. Em seus rostos, estavam pintadas mensagens como "Fora Mubarak".

Após dias de tensão, a manifestação de ontem acabou ocorrendo de forma pacífica. Os próprios organizadores se ocuparam de revistar aqueles que entravam nas ruas que levavam à praça, para garantir que nem armas nem bombas fossem transportadas para o local.

Parte das forças de oposição ainda chegou a pensar em marchar até o palácio presidencial, mas foi convencida a abandonar a ideia para não entrar em choque com a guarda leal a Mubarak. O governo fez o que pôde para deslegitimar a manifestação. Segundo a TV estatal, o movimento tratava-se de uma "iniciativa de agentes estrangeiros que tinha como objetivo desestabilizar o país". O egípcio que não tinha TV a cabo, apenas viu imagens distantes do local. A rede estatal também optou por mostrar um segundo protesto organizado em apoio a Mubarak. O evento não reuniu sequer mil pessoas, mas era mostrado com o mesmo destaque.

A TV ainda declarou que o protesto era perda de tempo e pedia que as pessoas voltassem a suas casas e trabalhos para acabar com a paralisação da economia do Egito. A TV estatal ainda pedia que a população não assistisse a emissoras estrangeiras.

Fontes nos partidos ainda informaram que, na segunda-feira e na terça-feira, entre 20 e 30 líderes da oposição foram sequestrados pelos agentes secretos do governo. Mas nem isso parou a manifestação. Ahmed Diab, assistente de professor, disse que viajou 200 quilômetros entre sua cidade e o Cairo para o protesto. "Este é um dia histórico", disse. "Hoje, o destino de 80 milhões ganhou uma nova dimensão."

MÍDIA ATACADA

Pelo telefone

O Google lançou uma campanha no Egito, onde o último provedor de internet saiu do ar anteontem, para que a população possa postar informações no Twitter pelo telefone. Três linhas foram divulgadas. A empresa informou que um de seus executivos está desaparecido no país.

Falta de ética

A apresentadora Soha el-Nakash anunciou ontem sua demissão do canal estatal Nile News. Ela disse que ficou estarrecida com a emissora que, no segundo dia dos protestos, transmitia notícias falsas de calma nas ruas.