Título: Contas públicas: ver para crer
Autor: Loyola, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2011, Economia, p. B2

O anúncio, pelo governo federal, da intenção de realizar cortes de R$ 50 bilhões no Orçamento deste ano foi recebido com algum ceticismo, em razão da baixa credibilidade da política fiscal, decorrente, principalmente, da heterodoxa contabilidade praticada nas contas públicas nos dois últimos anos. Em vista disso, o "ver para crer" será a tônica dominante nas análises sobre a política fiscal nos próximos meses.

As análises iniciais indicam ser possível, mas não fácil, o atingimento da meta de superávit primário equivalente a 2,9% do PIB em 2011. Tal resultado dependerá de um bom desempenho das receitas tributárias e, ao contrário do admitido pelo governo, da redução nos desembolsos do PAC. Além disso, o controle dos gastos na "boca do caixa" será fundamental para a obtenção do resultado previsto, o que vai exigir empenho do Ministério da Fazenda para conter a interminável demanda dos ministérios "gastadores".

O que se lastima é que a necessidade do aperto dos cintos dessa magnitude em 2011 decorra principalmente dos equívocos cometidos na política fiscal em 2009 e 2010. De fato, na esteira da crise que se seguiu à quebra do Lehman Brothers, e a pretexto da prática de uma política "anticíclica", o governo Lula expandiu o gasto público de pior qualidade - qual seja, as despesas correntes cuja reversão nos exercícios seguintes é impraticável. Para piorar as coisas, a contabilidade do setor público passou a sofrer atentados seriais, com vistas a melhorar a aparência do resultado primário. A consequência final foi o aumento da rigidez do gasto público e a perda de credibilidade da política fiscal.

De todo modo, a postura fiscal mais conservadora no início da gestão Dilma é animadora. A fixação do salário mínimo em R$ 545, a despeito das pressões para uma alta maior, indica que o governo tem compromisso com o atingimento da meta fiscal no corrente ano. Esse resultado é importante não apenas para sinalizar mudança na trajetória recente de deterioração fiscal, como também para contribuir com o controle da demanda agregada, numa conjuntura em que o desaquecimento da economia se faz necessário para conter as pressões inflacionárias.

Porém, os desafios da presidente Dilma no campo fiscal não se cingem à entrega de um bom resultado fiscal em 2011. Ao longo de seu governo, na ausência de mudanças mais profundas, a tendência será de gradual e inexorável aumento das pressões para elevação dos gastos públicos, em decorrência notadamente do incremento das despesas previdenciárias. A política de reajuste do salário mínimo - aumentos reais com base no crescimento do PIB real - é verdadeira bomba de efeito retardado no gasto com a Previdência Social, piorando a trajetória de elevação dessas despesas acarretada pelas mudanças demográficas.

Nada sendo feito no campo previdenciário, teremos uma redução forte na margem para gastos com investimento ao longo do governo da presidente Dilma Rousseff, o que se chocará com o seu ambicioso plano de inversões públicas na expansão da infraestrutura do País, inclusive tendo em conta a realização dos megaeventos esportivos em 2014 e 2016. Em tal contexto, parece ser inevitável um novo aumento da carga tributária - provavelmente com a recriação da CPMF - a fim de evitar a deterioração completa da saúde fiscal do governo federal, mantendo-se um patamar mínimo de investimentos.

Evidentemente, tal "saída" seria péssima. O melhor seria reduzir de forma gradual a proporção dos gastos de custeio no PIB, viabilizando o aumento da poupança do setor público e a redução da carga tributária. Para tanto, seria necessário pôr em marcha um programa fiscal de longo prazo, com metas plurianuais associadas a ações concretas para mitigar o incremento real das despesas previdenciárias. Vamos ver se há coragem e disposição política para tanto.