Título: Pânico e medo na fuga do tsunami
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2011, Internacional, p. A11

Em Natori, maioria das vítimas é de velhos que não conseguiram fugir da onda gigante

Hirosato Wako olhava fixamente para as ruínas de seu pequeno vilarejo de pescadores: esqueletos de edifícios destruídos, grandes pedaços retorcidos de aço, cadáveres com as mãos transformadas em garras. Só havia uma memória comparável à cena diante de seus olhos: a 2.ª Guerra.

Kyodo News/APFatalidade. Sobreviventes em ferrovia de Ishinomaki "Sobrevivi aos bombardeios de Sendai", disse Wako, de 75 anos, referindo-se ao ataque aliado contra a maior cidade do nordeste japonês. "Isto é muito pior." Para os moradores mais velhos dos vilarejos da costa nordeste, a devastação do tsunami traz de volta um passado de privação que seus filhos jamais conheceram.

Assim como na maior parte do país, a maioria dos jovens deixou o campo em busca de trabalho nas cidades. Os mais velhos que ficaram estão enfrentando a devastação completa e a possibilidade da contaminação radioativa, um desafio que esta geração só enfrentou quando o país, derrotado e desesperado, teve de se reconstruir após a guerra.

No vilarejo de Yuriage, a busca por sobreviventes transformou-se numa busca por corpos. E a maioria deles é de idade avançada, velhos demais para fugir do tsunami. Yuta Saga, de 21 anos, apanhava xícaras quebradas quando ouviu sirenes e gritos de "tsunami".

Ele pegou a mãe pelo braço e correu até a escola, o mais alto edifício das imediações. Nas ruas, o tráfego era cada vez pior por causa dos motoristas que, em pânico, trombavam uns com os outros. Ele pôde medir o avanço da onda pelas nuvens de poeira que se formavam conforme os edifícios ruíam.

Quando chegaram à escola, encontraram as escadas de acesso ao telhado congestionadas por pessoas mais velhas, que não conseguiam subi-las. Enquanto o andar de baixo ainda estava cheio de moradores em fuga, a onda os atingiu. No início, as portas seguraram a água, mas logo a onda entrou pelas frestas e a inundou a sala. Em pânico para chegar ao telhado, os mais jovens começaram a empurrar, gritar e atropelar aqueles que estavam parados.

"Não pude acreditar", disse Saga. "Os mais velhos não conseguiram salvar a si mesmos." Então, as portas foram escancaradas e a água entrou rapidamente. Saga viu uma mulher mais velha sem forças para ficar de pé. Ele agarrou-a pelos braços e ergueu-a escada acima.

Logo, os homens formaram uma corrente humana, ajudando os mais velhos e as crianças a chegarem ao andar de cima, de onde todos assistiram mudos a casas e carros serem arrastados pela onda. / TRADUÇÃO AUGUSTO CALIL