Título: BC de Tombini se alinha com a Fazenda
Autor: Graner, Fabio ; Abreu, Beatriz
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2011, Economia, p. B5

Depois de quase cinco anos de embates frequentes, os primeiros três meses do governo Dilma mostram um alinhamento maior entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda na gestão da política econômica. A transição da fase de beligerância para um clima mais ameno é fruto de uma visão mais convergente em torno da estratégia de combate à inflação sem, no entanto, sacrificar demais o crescimento.

Outro aspecto dessa aproximação é a gestão da política cambial, que tem sido bem mais ativa para evitar uma alta do real. Na aposta do Planalto, disse um assessor da presidente, a boa convivência entre BC e Fazenda vai continuar porque a inflação deve "recuar bem a partir de abril".

O alinhamento Tombini-Mantega ocorre sob um plano de voo traçado pela presidente Dilma Rousseff, gera, contudo, preocupações no mercado financeiro sobre o grau de autonomia do BC e a eficácia do esforço de combate à inflação. É que, para profissionais do mercado, tal aproximação ocorre baseada em uma menor disposição do governo em atacar a alta dos preços, colocando em risco o controle inflacionário no médio prazo.

A aproximação do BC com a Fazenda não é um processo que começou no dia 1.º de janeiro. Na própria gestão de Henrique Meirelles no BC, o grau de tensão no último ano já era bem menor do que em 2006, quando Mantega assumiu a Fazenda no lugar de Antônio Palocci.

Segundo uma fonte da Fazenda, um dos principais fatores que facilitaram a aproximação do BC foi a mudança de perfil da diretoria do órgão. Ao longo dos últimos anos, desde a saída de Afonso Bevilaqua (considerado ultraortodoxo pela Fazenda), a direção do órgão passou paulatinamente a ser ocupada mais por nomes da carreira da instituição ou do serviço público - culminando na atual composição apenas de servidores públicos.

Não capturados. A percepção na Fazenda é que uma composição majoritariamente de funcionários públicos facilita o diálogo, pois o pensamento do colegiado não estaria "capturado" pelo mercado financeiro. Paralelamente ao processo de mudança no perfil da diretoria, a crescente relevância do então diretor Alexandre Tombini no próprio BC e sua maior facilidade de diálogo com a Fazenda também ajudaram a avançar a convergência.

Uma fonte pondera que, com Tombini no comando do BC, a consolidação dessa aproximação foi uma consequência natural. Isso porque, segundo essa fonte, a Fazenda não convenceu o BC de que o controle da inflação precisa usar mais instrumentos além dos juros, como as medidas de aperto no crédito e enxugamento da oferta de dinheiro na economia (chamadas de macroprudenciais). "O Tombini já pensava assim", disse essa fonte.

Da mesma forma, haveria convergência de visões sobre os riscos de se deixar o real se valorizar demais ante o dólar, o que levou o BC a ampliar seus instrumentos de atuação no mercado cambial e a atuar com mais intensidade nas compras à vista. Além disso, a Fazenda reconheceu que a trajetória da política fiscal não poderia continuar como estava e neste ano resolveu se comprometer, pelo menos no discurso, mais com uma menor expansão de gastos. Essa estratégia de corte de gastos não se originou na Fazenda, mas foi determinada pela presidente Dilma.

Mercado inquieto. Apesar de reconhecer que hoje há um grau elevado de aproximação com o BC, essa fonte refuta a tese de que isso representa uma maior tolerância da autoridade monetária com a inflação. "O BC não deixou de ter um perfil mais ortodoxo que a Fazenda", afirmou a fonte, explicando que hoje há, na verdade, mais disposição de BC e Fazenda de sentar e discutir os problemas da economia brasileira e buscar encontrar as melhores soluções para conter a inflação, evitar uma arriscada sobrevalorização cambial e crescer ao máximo possível.

Se tal aproximação é bem vista no governo, no mercado há inquietação, porque levanta dúvidas se esse maior alinhamento não significa perda de autonomia do BC. "Não deveria ter alinhamento em decisão de política monetária. Ninguém do Tesouro na Europa ou nos EUA fica em cima das decisões do BCE e do Fed. Aqui o BC deveria ter independência operacional de fato. Não me parece que medidas macroprudenciais sendo utilizadas mais do que juros seja uma decisão apenas do BC", disse o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

Para ele, o BC deve subir juros mesmo contra a vontade do presidente. "Como vai ser quando precisar subir ainda mais a Selic, como achamos que será o caso? Esse teste ainda está por vir. Até agora não me parece haver sinais claros de total independência do BC em relação ao resto do governo, pelo contrário, uma sintonia fina com o resto do Executivo, o que é prejudicial para a inflação."