Título: Refugiados fazem Europa rever livre trânsito entre países
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2011, Internacional, p. A10

A Europa pensava que as fronteiras haviam desaparecido para sempre. Alvo de guerras por séculos, foram virtualmente desmontadas nos últimos anos. Mas, em uma carta ao presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, França e Itália propõem que um dos pilares da união continental - o livre trânsito de pessoas - seja revisto diante da chegada de imigrantes do Norte da África e até suspenso em casos de emergência.

Os dois países, que nas últimas semanas travaram uma batalha em torno do tema com acusações mútuas, querem uma atualização do tratado de imigração. Amanhã, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, se reúnem em Roma para uma cúpula que tem como meta apaziguar os ânimos e com o tema imigratório no centro da agenda. O acordo que prevê a livre circulação de pessoas entre 25 países da União Europeia - conhecido como Schengen - estipula que se um cidadão recebe um visto para um dos países do bloco, tem o direito de circular por qualquer um dos demais membros do acordo.

Para o ministro de Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, os acordos de imigração da UE precisam de um "check up". Em uma entrevista publicada ontem no jornal Il Sole 24 Ore, Frattini insistiu que o acordo de livre circulação é um dos pilares da UE e não pode ser questionado. Mas defendeu que o tratado seja "adaptado para responder às necessidades da nossa época e a um mundo em transformação".

"Todos os tratados envelhecem", disse. "O Muro de Berlim do Norte da África caiu e o contexto sobre os quais esses tratados foram escritos, mudou radicalmente", afirmou o chanceler.

Para os dois países, o tema é fundamental em seus projetos eleitorais domésticos. Berlusconi enfrenta eleições em menos de um ano e precisa do apoio da Liga Norte, com posições anti-imigração. Sarkozy também enfrenta as urnas em 2012 e precisa atrair votos da extrema-direita. Para isso, deve se mostrar duro em relação à imigração.

Esses cálculos agora se transferem para o nível europeu. "A governança de Schengen está fracassando. Precisamos pensar em um novo mecanismo para permitir um melhor controle", disse a presidência francesa, em um comunicado.

"Schengen enfrenta sérias dificuldades", afirmou a diplomacia francesa. "Acreditamos que teremos de pensar até mesmo em cláusulas de suspensão do acordo, se necessário", explicou.

A suspensão ocorreria caso houvesse um fluxo representativo de imigrantes em pouco tempo. Desde a eclosão da Primavera Árabe, mais de 25 mil imigrantes já desembarcaram na Europa, a grande maioria cruzando o Mar Mediterrâneo em direção ao sul da Itália.

Roma vinha insistindo para que outros países europeus também recebessem parte dos imigrantes, o que lhe foi negada. Berlusconi, então, optou por uma medida radical e deu vistos para todos os 25 mil imigrantes, o que na prática significava que poderiam cruzar as fronteiras, principalmente em direção à França. Mas Paris bloqueou a fronteira, causando mal-estar na UE.

Tentativa de consenso. Para tentar superar a crise, Itália e França esperam chegar a um acordo amanhã sobre as propostas que levarão para a UE. Além da cláusula de suspensão, os dois países querem que a UE estabeleça um mecanismo para ajudar países a lidar com fluxos importantes de imigrantes, além de dar mais recursos para a Frontex, a agência semi-militar europeia que controla as fronteiras.

Outra proposta é a de fortalecer a ajuda econômica aos países de origem dos imigrantes. A ideia é de que um empréstimo de até 15 bilhões de euros seja fornecido a esses governos.

Esse fluxo de imigrantes é o primeiro teste real à política comum de fronteiras da Europa. O tema deve dominar a cúpula da UE, em junho.