Título: BC alega crise externa para cortar juro
Autor: Nakagawa, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/09/2011, Economia, p. B6

Por cinco votos a dois e um longo comunicado, decisão do Copom é tomada um dia após Dilma fazer comentários a favor da queda da taxa

Pressionado diretamente pelo Palácio do Planalto, o Banco Central anunciou ontem à noite o primeiro corte da taxa básica de juros em dois anos. A decisão de reduzir a Selic de 12,50% para 12% foi tomada - por cinco votos a dois - pouco mais de 24 horas após a presidente Dilma Rousseff ter dito que começa a ver "a possibilidade" de iniciar um ciclo de redução dos juros no País.

Alegando "substancial deterioração" do cenário externo nas últimas semanas e sinais de que a inflação está desacelerando, o corte de juros promovido pelo BC de Alexandre Tombini representou uma mudança radical de ideia. Há exatos 42 dias, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC havia elevado pela quinta vez seguida a taxa Selic.

Nos últimos dias, a equipe econômica anunciou um esforço de última hora para "abrir caminho" para a redução do juro. Na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, divulgou um aumento da economia feita para pagar os juros da dívida pública - o superávit primário - em R$ 10 bilhões neste ano, o que ajuda a reduzir a pressão de alta nos preços. A medida recebeu apoio cauteloso dos analistas, já que essa economia extra foi possível basicamente porque a arrecadação de impostos tem registrado recordes mensais.

Talvez também seja por isso que o BC tenha sido cauteloso para usar esse argumento: o esforço fiscal anunciado por Mantega foi citado em apenas uma frase no documento distribuído após a decisão de cortar a Selic. "A propósito, também aponta nessa direção (de menor inflação) a revisão do cenário para a política fiscal".

Duas páginas. A publicação de um comunicado de duas páginas após a decisão, considerado por alguns analistas como uma "pré-ata" do encontro de ontem, é uma tentativa de fornecer o máximo de argumentos técnicos para o mercado financeiro. Normalmente, esse comunicado tem um ou dois parágrafos. Após a leitura do documento, porém, alguns economistas já demonstravam na noite de ontem cautela com a possibilidade de que o BC tenha voltado a trabalhar sob pressão política - tema que sempre foi muito polêmico durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Nesse documento, o BC explicou a decisão pelo ambiente externo dos últimos 42 dias, período em que a nota de risco dos Estados Unidos foi rebaixada, o que deflagrou uma série de revisões para pior das projeções sobre o que deve acontecer com a economia mundial. Para os diretores do BC, o corte do juro vai "tempestivamente mitigar" os efeitos dessa crise internacional. Nesse cenário, "um ajuste moderado no nível da taxa básica é consistente com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012".

Para respaldar o corte - o primeiro desde julho de 2009, quando o Brasil ainda vivia os efeitos da outra crise e a Selic atingiu o menor patamar da história (8,75%) - o Comitê de Política Monetária do BC disse que a economia global deverá ficar em ritmo lento por "um período de tempo maior do que o antecipado". Para o Brasil, a piora do quadro será sentida de "várias" maneiras: "Redução da corrente de comércio, moderação do fluxo de investimentos, condições de crédito mais restritivas e piora no sentimento de consumidores e empresários", cita o texto.

Com a guinada na estratégia para os juros, o BC ignora as preocupações que vigoravam até há pouco tempo com a inflação - tema que motivou o aumento de 1,75 ponto porcentual da Selic entre janeiro e julho. Nos últimos 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou alta de 6,87%, acima do teto da meta que é de 6,50%. Para os próximos 12 meses, a expectativa para o IPCA é de uma variação de 5,47%. Curiosamente, o número esperado é exatamente o mesmo patamar previsto pelos analistas em 14 de janeiro, na última pesquisa Focus antes de o BC iniciar o ciclo de alta que terminou bruscamente ontem.

Pressão

"A partir deste momento, nós começamos a ver a possibilidade de redução dos juros no Brasil, que hoje pratica as mais altas taxas."

Dilma Rousseff

PRESIDENTE DA REPÚBLICA, NA TERÇA-FEIRA, UM DIA ANTES DA REUNIÃO DO COMITÊ DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL

Críticas

Fonte lembra a máxima do BC: nos momentos de pressão se não alterar a taxa está atuando apenas políticamente. Se altera, como agora, se dobra à pressão do Planalto.