Título: Os Kirchners são doentes pelo poder, diz Duhalde
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2011, Internacional, p. A11

Ex-presidente e padrinho político de Néstor diz que situação da Argentina ficará ainda pior com uma vitória de Cristina

"O poder desequilibra muitas pessoas e as deixa doentes. Acho que foi isso o que ocorreu com os Kirchners." A frase, pronunciada de forma pausada, depois de um gole de chá de ervas, é do ex-presidente argentino Eduardo Duhalde (2002-2003), candidato presidencial do peronismo dissidente nas eleições de domingo.

Nas eleições primárias obrigatórias e simultâneas de agosto, Duhalde ficou em terceiro lugar, com 12% dos votos. A presidente Cristina Kirchner obteve 50%. No entanto, Duhalde não desanima, sugere que houve fraude e sustenta que acredita na possibilidade de um segundo turno. No entanto, as últimas pesquisas indicam que o ex-presidente teria, no melhor dos cenários, apenas 10% dos votos. Cristina conseguiria 52%. A seguir, trechos da entrevista ao Estado.

Como você definiria a presidente Cristina Kirchner e seu marido e ex-presidente Néstor Kirchner, morto há um ano?

São doentes pelo poder. O poder desequilibra muitas pessoas e as deixa doentes. Acho que foi isso o que ocorreu. As pessoas acham que podem fazer qualquer coisa. É o que ocorre com o governo de Cristina, que lida com o dinheiro dos fundos públicos de uma forma insólita. Não há controle sobre os fundos, que ficam nas mãos de parentes e amigos. Isso não vai terminar bem. O governo destruiu o clima de diálogo e consenso, atropelou a Justiça, menosprezou o Congresso e teve total falta de respeito institucional.

Como o kirchnerismo se enquadraria ideologicamente?

O kirchnerismo é uma das tantas vertentes do peronismo. No entanto, ficou para trás na história. É um peronismo velho. Juan Domingo Perón, quando voltou do exílio, em 1973, pregava o consenso. E os Kirchners fazem do confronto uma constante.

Se Cristina for reeleita, serão 12 anos de governo kirchnerista. Em sua opinião, qual será o futuro do país?

Espero estar errado, mas acho que seguimos por um péssimo caminho. Estamos bem no sentido de que existe consumo. No entanto, há uma política econômica realmente ruim. A política de financiar o consumo, e não a produção, levará ao aumento da inflação. Além disso, existe uma política de subsídios que esconde a corrupção. O problema é que uma hora ou outra alguém terá de pagar a festa que o governo armou. E, tal como ocorre na Europa, é o povo quem terá de pagar a conta.

Após a morte do marido, Cristina fez uma campanha constante de olho na reeleição. Por que a oposição permaneceu dividida?

Nós, a oposição, somos como um saco de gatos. E isso, evidentemente, ajuda o governo, que soube provocar as divisões dentro da União Cívica Radical (UCR), dos socialistas e dos peronistas dissidentes. O governo é bom em destruição. E conta com dinheiro para dividir.

A morte do marido, em

outubro do ano passado, ajudou a aumentar a popularidade de

Cristina?

A presidente Cristina é muito midiática. O velório de Kirchner e seu enterro foram verdadeiras obras de arte. A transmissão não foi ao vivo. Tinha um atraso de uns 30 segundos. Foi o único velório de político que vi sem discurso algum. Houve muita coisa montada durante o velório. A única figura que sempre aparecia era Cristina. Ninguém viu o morto, o caixão estava fechado. Acrescente-se o fato de que nós, latinos, somos muito sentimentalistas.

Em janeiro de 2003, você decidiu apadrinhar Néstor Kirchner, que foi eleito. Arrepende-se?

Não me arrependo de ter escolhido Néstor Kirchner para minha sucessão. Naquele momento, parecia que ele tinha melhores condições. No entanto, depois, ele mudou. Talvez teria sido melhor respaldar (o então ministro da Economia) Roberto Lavagna.

Em 2003, você disse que

deixaria a política para que

houvesse renovação de líderes e para dar espaço aos mais jovens. Caso não seja eleito, o sr. pensa em deixar definitivamente a

política?

Não deixarei a política. No entanto, não é porque eu goste de sentar nessa "cadeira elétrica". É porque eu acredito que é preciso ajudar a mudar as coisas. E as coisas estão ficando cada vez piores na Argentina.