Título: Argentinos enfrentam controle de câmbio
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/11/2011, Economia, p. B8

Todas as operações de compra e venda de dólares têm de passar pela Receita; medida tenta conter fuga da moeda, mas paralisa câmbio

Os argentinos viveram ontem o primeiro dia do "corralito verde", denominação aplicada às medidas de restrição sobre o dólar que o governo da presidente Cristina Kirchner anunciou no fim da noite da sexta-feira.

A ordem do governo é que todas as operações de compra e venda da moeda americana dentro da Argentina deverão passar pelos controles da Receita Federal do país, que determinará se os fundos para realizar o câmbio possuem origens justificáveis e se as operações serão autorizadas ou não.

A medida, elaborada pela presidente do Banco Central, Mercedes Marcó del Pont (cotada para o posto de ministra da Economia no segundo governo de Cristina), pretende desestimular a demanda das divisas, já que o país sofre uma intensa fuga de dólares que em outubro teria sido de US$ 3,6 bilhões, segundo um relatório do Banco Ciudad.

As estimativas de diversas consultorias econômicas indicam que em dezembro o país acumularia 12 meses de fuga que superaria a faixa recorde de US$ 25 bilhões.

A decisão causou polêmica, já que o dólar é - há décadas - o refúgio preferido dos argentinos de classe média para se resguardar dos altos e baixos da economia local. Ironicamente, o primeiro dia de aplicação da medida coincidiu com o Dia Internacional da Poupança.

Economistas independentes afirmam que as medidas do governo terão o efeito oposto ao desejado, já que devem provocar maior interesse pela moeda americana.

A medida evidencia que o governo - uma semana após a reeleição da presidente Cristina, com 53,9% dos votos - não pretende desvalorizar o peso, apesar dos pedidos dos industriais argentinos, que querem recuperar a competitividade perdida com a escalada da inflação na última meia década. Ontem, o ministro da Economia, Amado Boudou, descartou uma eventual desvalorização a curto ou médio prazos: "Não falo sobre coisas que não existem."

O ministro Boudou (que é o vice-presidente eleito) defendeu os novos controles para as operações com dólares e afirmou que o crescimento da demanda de dólares desde o início deste ano devia-se a um "golpe especulativo". Boudou acusou a imprensa de estar por trás desse "golpe". Segundo ele, há intenção de provocar uma "histeria coletiva".

Para fiscalizar os bancos e agências de câmbio a Afip (a Receita Federal argentina) colocou 4.400 funcionários nas ruas. Diversas casas de câmbio optaram por não abrir suas portas ontem no centro financeiro portenho. Poucas pessoas passavam pela Rua San Martín, que aglutina a maior parte dessas casas.

Alta. O dólar oficial manteve os mesmos níveis apresentados na semana passada, de 4,26 pesos para a venda. No entanto, no paralelo, a moeda americana chegou à cotação de 4,65 pesos. No interior do país, superou os 5,20 pesos.

Simultaneamente os bônus da dívida pública argentina cotados em dólares registraram uma alta de 3%, enquanto os papéis em pesos tiveram em média uma queda de 3%.

O "corralito" dos dólares é mais uma medida de uma série que o governo aplicou nos últimos dias para impedir a alta do dólar. Na semana passada, o governo determinou que as empresas de mineração e petrolíferas deveriam liquidar seus dólares dentro do país.

Na luta contra o aumento da cotação da moeda americana, o BC teve de recorrer às próprias reservas, que caíram de US$ 52 bilhões no início do ano para os atuais US$ 48 bilhões. Na semana passada o BC precisou vender US$ 800 milhões para conter o dólar.

Ontem, no centro financeiro da capital, os analistas veteranos recordavam que diversos governos - civis e militares - tentaram colocar barreiras para a compra e venda de dólares em 1975, 1982, 1989 e 2001.Em todas as ocasiões, porém, as medidas fracassaram ante a tradição do argentino de se refugiar no dólar.

O ex-presidente do BC e atual deputado da oposição, Alfonso Prat-Gay, afirmou que as medidas serão um tiro pela culatra, já que o controle sobre o dólar "aumentará o desejo" dos argentinos pelo dólar. "Para brecar a fuga, em vez disso, o governo deveria ter um combate frontal contra a inflação", disse Prat-Gay.

Outro ex-presidente do BC, Martín Redrado, sustentou que "a política cambial do governo provoca mais incertezas do que soluções".