Título: Velho mundo, ideias velhas
Autor: Abreu, Marcelo de Paiva
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2011, Economia, p. B2

Foi melancólico ver os líderes mundiais se desdobrando na reunião de cúpula do G-20, em Cannes, em explicações, qualificações ou desculpas, tendo como pano de fundo o mote nouveau monde, nouvelles idées (mundo novo, ideias novas). Mais adequado seria: velho mundo, ideias velhas. As ideias novas não eram boas, e houve escassez de ideias boas, mesmo que velhas. O foco certamente foi no Velho Mundo, melancolicamente ilustrado pelo default grego e pelas dificuldades italianas. Entre Atenas e Roma, mais um G-20 se esvaiu em verborragia e atoleiro decisório.

Há dois ângulos de interesse. O primeiro, com foco na economia mundial e na ameaça de nova onda de incerteza na esteira das dificuldades europeias. O outro, com ênfase na avaliação da postura adotada pelo Brasil em Cannes.

Do ponto de vista da crise financeira global, dois problemas dominavam a agenda. De um lado, a crise do euro. De outro, o tema, permanente, das políticas macroeconômicas desestabilizadoras adotadas principalmente pela China, e também pelos EUA. Quanto à crise do euro, perdeu-se tempo com a tentativa europeia de mobilizar os emergentes para capitalizar o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (Feef). Em vista do fracasso dessa "socialização de perdas", foi tentado o aporte de recursos ao FMI para enfrentar os desdobramentos da crise europeia. Mesmo essa tentativa fracassou e sua solução teve de ser postergada para uma reunião extraordinária do G-20. E não é que o problema não seja premente, com o risco de o efeito dominó afetar toda a orla mediterrânea da Europa do euro.

O possível realinhamento de taxas cambiais de grandes protagonistas, como a China, ou o controle de políticas que têm impacto sobre as taxas cambiais no resto do mundo, como os substanciais aumentos de liquidez resultantes da política monetária dos EUA, não mereceram mais que a reiteração de boas intenções.

Por outro lado, a postura do Brasil na reunião foi marcada pelo contraste entre posições bastante razoáveis no plano financeiro e reprováveis quanto a barreiras ao comércio internacional. Pela primeira vez o Brasil manifestou publicamente o seu desconforto com a política cambial chinesa que mantém o yuan artificialmente desvalorizado e propicia a concorrência com os produtos do Brasil nos mercados brasileiro, chinês e do resto do mundo. Até então as críticas brasileiras se concentravam na política econômica dos EUA e, em nome da solidariedade política entre os Brics, haviam poupado a China.

A postulação europeia de apoio dos emergentes ao Feef foi enfaticamente repelida pelo Brasil, que sustentou que aportes de recursos adicionais ao FMI devem estar refletidos em alterações nas regras de governança, por meio de redução adicional da inchada representação europeia e abandono de "tradições" que bloqueiam o acesso dos emergentes a posições de comando dos organismos multilaterais na esfera econômica e financeira.

Quanto a políticas protecionistas, a posição brasileira em Cannes deu continuidade à postura oportunista e míope adotada mais recentemente. O comunicado de Cannes, mais uma vez, reiterou o compromisso assumido em Toronto, em meados de 2010, de não agravar medidas protecionistas até 2013 e reverter as que tiverem sido implementadas. Algo que conflita frontalmente com a política comercial do Brasil. A resposta do governo brasileiro tem sido simplesmente negar a realidade. O caráter ostensivamente protecionista do aumento do IPI que discrimina as importações automotivas tem sido negado com base no argumento de que tais importações têm aumentado significativamente. É tática baseada na mesma falta de lógica da adotada pelo presidente do BNDES, que insiste em que o banco não concede crédito subsidiado, a despeito do hiato ponderável entre a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e as taxas de juros praticadas longe da Avenida Chile.

Insistindo nos equívocos, o governo se preocupa em tornar mais "eficaz" a implementação de exigências protecionistas relacionadas a conteúdo nacional, especialmente no caso de compras da Petrobrás. É importante que o País tenha instrumentos adequados que estimulem a inovação e a competitividade. O que é criticável é a falta de estímulos à convergência em prazo razoável rumo aos preços praticados no mercado mundial e a arbitrariedade na escolha dos setores beneficiados. O passado ensina que a mira de burocratas é notoriamente ruim. Neste caso, já foi testada, em outros tempos e com os mesmos atiradores, quando o Brasil amargou a Lei da Informática.

Poderia ter sido pior. Cannes teve alguns resultados positivos para a economia global. Por exemplo, parece ter sido enterrada de vez a ideia fixa da França sobre a taxação de transações financeiras, em bases globais, que parecia estar contaminando os alemães, mas que capotou ante a oposição da Grã-Bretanha e dos EUA.

O G-20, sob coordenação mexicana em 2012, dificilmente trará alegrias ao Brasil. É bem provável que os mexicanos, enciumados com a melhoria da avaliação internacional do Brasil e temerosos quanto ao sucesso da postulação brasileira em relação ao Conselho de Segurança da ONU, suscitem temas que sejam incômodos do ponto de vista do Brasil.