Título: Às vésperas da saída da Otan da Líbia, filho de Kadafi tenta acelerar rendição
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2011, Internacional, p. A20

Os dias de liberdade de Saif al-Islam, filho e herdeiro político de Muamar Kadafi, parecem contados. Perseguido pelos revolucionários do Conselho Nacional de Transição (CNT) e monitorado pela Otan, ele negocia sua rendição. Para se entregar, Saif exige ser transferido em segurança para Haia, sede do Tribunal Penal Internacional (TPI), evitando o destino do pai, morto ao ser capturado durante o cerco a Sirte, sua terra natal.

A confirmação das negociações ocorreu ontem, em Haia, quando o procurador do tribunal, Luis Moreno-Ocampo, informou que "contatos informais e indiretos" com Saif haviam sido estabelecidos. O procurador garantiu que o filho de Kadafi terá um processo justo, será protegido e tratado como inocente, até que se prove o contrário.

"Se ele se entregar ao TPI, terá o direito de ser ouvido pela corte. Ele é inocente até que se prove sua culpa. Os juízes decidirão", afirmou. "Esse é um processo legal e, se os juízes decidirem que ele é inocente, Saif pode pedir que seja enviado para um outro país."

Ocampo, porém, disse estar convencido de que conseguirá a condenação do líbio e não fará um acordo. Ele confirmou que a negociação para a rendição está ocorrendo por meio de mediadores cujos nomes são mantidos em sigilo.

Na quarta-feira, Abdel Majid Mlegta, coordenador das operações militares do CNT, informara em Trípoli que Saif e o ex-chefe do serviço de inteligência kadafista, Abdullah al-Senoussi - também procurado por crimes de guerra -, tinham entrado em contato com o tribunal propondo a rendição.

Vivo ou morto. Segundo o CNT, Saif queria que um avião o retirasse do deserto, no sul da Líbia, mesmo que sob a custódia da corte. O TPI não diz onde está o filho de Kadafi, mas o porta-voz do tribunal, Fadi el-Abdallah, garante que um eventual acordo permitiria que o transporte ocorresse de forma segura.

Além disso, o TPI disse estudar a possibilidade de interceptar qualquer avião no espaço aéreo de um país que seja signatário do tribunal em uma eventual fuga. Ontem, o jornal francês Le Figaro informou que Saif já teria conseguido deixar o território líbio, escoltado por mercenários tuaregues. Ele teria cruzado pelo deserto a tríplice fronteira entre Líbia, Argélia e Níger, onde estaria refugiado. Envolvido nas negociações internas para a formação de um governo interino, o CNT não comentou as informações de ontem.

O filho de Kadafi - além de Senoussi - tinha sido indiciado por Ocampo em junho por crimes de guerra e contra a humanidade por ter ordenado que o Exército atirasse em manifestantes desarmados. Saif ainda é acusado de ter recrutado mercenários que teriam praticado crimes de guerra. Kadafi, capturado e morto há dez dias na cidade de Sirte, também tinha sido indiciado pelo TPI.

Na Líbia, onde a execução de Kadafi foi saudada por parte da população, o futuro de Saif é visto com mais complacência. Ao Estado, fontes do CNT e habitantes de Trípoli e de Misrata expressaram o desejo de que o filho do ditador seja capturado com vida.

Testemunha. O medo dos insurgentes é o de que um novo assassinato reforce as críticas em relação ao Conselho Nacional de Transição, que já enfrenta duas denúncias de execuções sumárias em Sirte. Pressionado pela opinião pública internacional e pelas Nações Unidas, o líder do governo interino, Mustafa Abdel Jalil, anunciou a abertura de uma investigação sobre a morte de Kadafi.

Uma das preocupações expressadas pelos líbios quando questionados sobre o destino de Saif é a de que ele seja capturado com vida, para que possa depor e revelar os supostos segredos do regime que governou a Líbia por 42 anos.

Prisão holandesa. O filho de Kadafi é visto como uma das pessoas que poderia auxiliar o futuro novo governo a repatriar recursos financeiros que foram parar em contas da família em paraísos fiscais no exterior.

"Acho que Kadafi deveria mesmo ter sido morto. No entanto, Saif não pode ser executado. O povo líbio precisa muito conhecer os segredos do regime e ele é um dos poucos que pode revelá-los", afirmou ao Estado Fawzi Treesh, de 44 anos, morador de Trípoli.

Se aceitar ir para Haia, Saif dividirá a prisão com sérvios acusados de crimes de guerra e com o ex-presidente da Libéria, Charles Taylor, acusado de crimes de guerra e contra a humanidade.

O filho de Kadafi terá uma cela só para ele, com dez metros quadrados, TV a cabo, mesa, cama, banheiro particular e um armário. A cela também conta com um telefone, mas as ligações são monitoradas. Saif ainda poderá ter um computador, mas sem acesso à internet.