Título: A privatização petista
Autor: Siqueira, Ethevaldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2012, Economia, p. B15

A presidente Dilma Rousseff acaba de privatizar os três maiores aeroportos do País, inclusive com dinheiro dos fundos de pensão e financiamentos do BNDES. Não é a primeira vez que o PT, no governo, segue caminhos totalmente diversos de suas pregações históricas. Na campanha eleitoral de 2010, a candidata Dilma Rousseff condenava radicalmente todas as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso.

Dilma rendeu-se às evidências. Se não optasse pela privatização, o Brasil poderia ter sérios problemas no setor de transportes aéreos na Copa de 2014 e nas Olimpíadas de 2016. A pior solução seria manter os três maiores aeroportos nas mãos da Infraero quando o Estado brasileiro, semifalido, investe menos de 2% do PIB em infraestrutura.

A dúvida agora é diferenciar quais são as privatizações boas e quais as más. As do PT serão as boas? E as do PSDB, serão privatarias? Ou, ainda por vingança tucana, os petistas serão acusados de promover uma espécie de "privataria petralha"?

Negação do ideário

Um amigo, filósofo e bem-humorado, costuma me dizer que o PT só acerta na mosca quando nega seu ideário, quando muda seu discurso radical e faz exatamente o oposto do que propunha em 2002: "a ruptura total com o modelo econômico neoliberal vigente no País". Em lugar desse modelo, Lula e Dilma consolidam um modelo que se poderia chamar de neoconservador. E, mais uma vez, ao chegar ao poder, o PT faz aquilo que condenou no passado. Não explica, entretanto, sua mudança de posição nem pede desculpas a quem acreditava em sua pregação anterior.

É bom lembrar que Antonio Palocci, quando prefeito de Ribeirão Preto, iniciou o processo de privatização das Centrais Telefônicas de Ribeirão Preto (Ceterp), concessionária municipal. A própria presidente Dilma Rousseff, quando pertencia ao PDT e assessorava os governadores gaúchos Alceu Colares e Olívio Dutra, na década de 1990, defendeu a privatização da antiga Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), que foi vendida para a Telefónica em 1997.

Discurso radical

Seria bom relembrar que o PT sempre demonizou as privatizações, da mesma forma que votou contra o Plano Real em 1994, acusou duramente o Proer (projeto que ajudou a sanear os bancos brasileiros) e nem sequer apoiou a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O que se prevê agora é o recrudescimento de uma polêmica interna no PT sobre o tema das privatizações. A ala mais radical é a dos sindicatos de empregados de estatais, para os quais não há maior palavrão do que privatização.

Um dos diretores do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ), Emanuel Cancella, publicou no dia 31 de janeiro no site da Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobrás), um dos artigos mais radicais contra as privatizações no Brasil (http://www.aepet.org.br/site/colunas/pagina/206/Servios-Privatizados-caos-instalado-e-preos-exorbitantes-), no qual critica até a presidente Dilma Rousseff por sua disposição de privatizar os maiores aeroportos.

Cancella desafia seus leitores a dar um único exemplo em que "a iniciativa privada é eficiente, onde fez os investimentos necessários e mantém serviços de excelência, com preços ou tarifas razoáveis". É provável que o engenheiro não conheça a Vale, a Embraer, nem as empresas de telecomunicações privatizadas em 1998 que investiram R$ 200 bilhões na infraestrutura setorial, elevaram o número de telefones do País de 24,5 milhões para mais de 270 milhões e implantaram mais de 80 milhões de acessos à internet, 50 milhões dos quais em banda larga.

Livro polêmico

O debate sobre as privatizações do governo FHC ganhou até um livro polêmico, com o título de A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. (Geração Editorial, São Paulo, 2011). Escrito numa linguagem panfletária, o livro anuncia muito mais do que realmente oferece, ao prometer "documentos secretos e a verdade sobre o maior assalto ao patrimônio público brasileiro" e "a história de como o PT sabotou o PT na campanha de Dilma Rousseff".

Para quem estuda a fundo o problema, o livro é frustrante, acima de tudo pelo tom emocional, de palanque, sem a menor isenção, com uma montanha de inquéritos passados. Mesmo assim, penso que todas as denúncias de lavagem de dinheiro e de supostas fortunas tucanas em paraísos fiscais das Ilhas Virgens Britânicas deveriam ser examinadas com todo o rigor pela Justiça e apuradas, até mesmo para comprovar a consistência ou veracidade das acusações. Se eu fosse o autor e tivesse plena convicção da autenticidade das provas e da culpabilidade dos acusados, não hesitaria um minuto em ingressar na Justiça.

Seria oportuno, também, que o autor, tão experiente em jornalismo investigativo, apurasse com muito maior rigor e reunisse o máximo de provas relativas a crimes não esclarecidos e tão polêmicos como a morte do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, e de outros prefeitos petistas. Ou o enriquecimento surpreendente de uma dezena de ex-ministros degolados por corrupção nos últimos 9 anos. E mais: que escrevesse tudo em linguagem mais serena e equilibrada.

O esclarecimento dessa pauta seria um grande serviço ao País.

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