Título: Os vetos de Dilma
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2012, Notas informações, p. A3

Decerto o governo gostaria de acredi­tar que, com os ve­tos da presidente Dilma Rousseff ao projeto que resul­tou da medida pro­visória (MP) que regulamentou o Código Florestal e a publicação do decreto que procura cobrir as lacunas deixadas pelos ve­tos, encerrou uma discussão que se arrastava há mais de 13 anos. A mi­nistra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, considera o debate sobre o Código "uma página virada". A ques­tão, no entanto, parece longe de es­tar resolvida.

A presidente da República teve a seu alcance a possibilidade de virar definitivamente essa página do lon­go debate da questão ambiental. Bas­tava sancionar o projeto que lhe foi enviado pelo Congresso, até mesmo com vetos, desde que estes não alte­rassem a essência daquilo que deputados e senadores haviam aprovado. Optou, porém, por eliminar a altera­ção mais importante feita pelos par­lamentares na Medida Provisória 571, que ela assinou em maio para substituir os itens do Código Flores­tal que havia vetado.

Trata-se da parte que estabelece as condições de recuperação das ma­tas nas margens dos rios. O projeto de conversão aprovado pelo Con­gresso reduziu a área de recuperação de florestas nas margens dos rios com até 10 metros de largura, por meio de um mecanismo que ficou co­nhecido como "escadinha", segundo o qual a recuperação é maior para propriedades maiores.

Para substituir o que vetou no pro­jeto de conversão da MP 571, o gover­no baixou um decreto que restabele­ce os critérios fixados na versão ori­ginal da MP. Como o decreto não precisa ser submetido ao Congresso, o governo elimina o risco de ser surpreendido com novas derrotas, como ocorreu no caso da votação do texto principal do Código Florestal e do projeto de conversão da MP 571.

Quanto aos vetos em si, é pouco provável que eles sejam derrubados no Congresso. Fiel aliado do gover­no, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), afastou a possibili­dade de colocar em votação os vetos ao projeto de conversão da MP 571. Não vai haver tempo, ele alega, com razão, pois é longa a fila dos vetos a serem examinados. O mais antigo que ainda guarda votação é de 2000, ainda no governo Fernando Henrique. Além desse, há outros 2.424 vetos engavetados. Desde 2008 não há votação de vetos no Congresso.

Assim, embora o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Homero Pereira (PSD-MT), tenha falado em "golpe por parte do governo" - que não te­ria respeitado acordo para vetar ape­nas alguns tópicos do projeto e des­considerado uma decisão tomada por unanimidade pelo Congresso -, é pouco provável que o tema volte a ser examinado formalmente pelo Le­gislativo. Esse quadro parece dar ra­zão à ministra do Meio Ambiente quando ela fala em "página virada".

Mas a afirmação, se verdadeira, aplica-se apenas ao plano parlamen­tar. A solução jurídica adotada pelo governo, de utilizar um decreto pa­ra definir os critérios para a recom­posição das áreas de preservação permanente (APPs) nas margens dos rios, poderá ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). Membro destacado da bancada rura­lista, o vice-líder do DEM na Câmara, deputado goiano Ronaldo Caia­do, anunciou que seu partido entra­rá com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) e apresentará um projeto de decreto legislativo que anule os efeitos do decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff para preencher as lacunas deixadas por seus vetós ao projeto de conversão da MP, 571.

"O decreto existe para normatizar lei já existente, não para substituir leis aprovadas pelo Congresso", argu­mentou Caiado. "O governo federal está usurpando e afrontando o Con­gresso Nacional ao querer legislar."

Organizações ligadas ao movimen­to ambientalista, que defendem posi­ções inteiramente opostas às dos ru­ralistas nessa questão, utilizam argu­mento semelhante para contestar o decreto de Dilma. "É uma tentativa do Executivo de extrapolar de suas funções. Foi criada uma norma. Trata-se de um vício de origem. O governo não pode legislar por decreto", disse Kenzo Jucá Ferreira, da WWF Brasil.

Nessa questão, o governo conse­guiu irritar os dois lados.