Título: A confissão de Chávez
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/12/2012, Notas e Informações, p. A3

A natureza deve ter golpeado duramen­te o caudilho vene­zuelano Hugo Chá­vez para ele se sen­tir obrigado a anun­ciar em cadeia na­cional, no sábado à noite, a recidiva do câncer do qual em mais de uma ocasião se declarou curado e apontar o chanceler e vice-presidente Nicolás Maduro seu her­deiro político. "Se se apresentar algu­ma circunstância inesperada que re­queira novas eleições presidenciais, vocês todos têm de eleger Nicolás Maduro", exortou. "Peço isso de co­ração." Ghávez, de 58 anos, voltou ontem para Havana. Ele foi operado pela primeira vez para extrair um tu­mor na região pélvica - a sua localiza­ção exata é tratada como segredo de Estado - em junho do ano passado. Seguiram-se duas outras interven­ções, a mais recente em fevereiro úl­timo, sempre em Cuba. Jamais um médico cubano ou venezuelano teve autorização para falar do quadro clí­nico do jactancioso paciente. (O seu único sinal de humildade foi rogar a Deus, aos prantos, que "não me le­ves ainda", numa missa em abril.)

Na semana passada, ele interrom­peu uma nova internação de 19 dias na ilha - a contragosto dos médicos, confessou - para revelar, em Cara­cas, que se submeterá a uma quarta cirurgia e pedir apoio ao vice. Na Ve­nezuela, o titular o nomeia e pode substituí-lo. No poder há 14 anos, Chávez se reelegeu em outubro para um quarto mandato que o manteria no Palácio Miraflores até 2019, a con­tar da posse, em 10 de janeiro próxi­mo. Se ele não tiver condições de as­sumir, o presidente da Assembleia Nacional o substituirá e nova elei­ção presidencial terá de ser realiza­da em 30 dias. Se assumir, mas dei­xar o cargo nos primeiros quatro anos do seu período, o vice assumirá | e convocará novo pleito no mesmo prazo. O cenário, portanto, é de in­certeza, Segundo o cientista político Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela, citado pelo Globo, Chávez teria voltado a Cara­cas também para mobilizar a popula­ção em torno dos candidatos do par­tido oficial, o PSUV, nas eleições es­taduais do domingo.

Pode até ser, mas o principal intuito político do bolivariano decerto se relaciona, ao que tudo indica, com a surda competição no interior do cha­vismo e que há de ter-se acentuado com a deterioração da saúde do líder. Como se sabe, quanto mais auto­crático um regime, maior a propen­são dos subordinados do número um a se engalfinhar nos bastidores por suas boas graças e conseqüente ascensão na escadaria do poder. Não só os civis, mas também a cúpula militar e dos serviços de segurança participam dessa luta a cotoveladas. Pa­ra Chávez, ainda que não tenha joga­do a toalha diante da malignidade que o acomete, pôr ordem na casa era imperativo nas atuais circunstâncias. E nada mais normal do que un­gir o seu vice. É provável que ele já tivesse isso em mente ao escolhê-lo para a função, sem tirá-lo do posto de chanceler, que ocupa desde 2006, em vez de chamar de novo o ex, Elias Jaua, um linha-dura que meses atrás chegou a dizer, com outras pa­lavras, que o voto popular só é bom quando promove a continuidade do regime. Ou o presidente do Congres­so, Diosdado Cabello, que também ambicionava chegar lá.

Ao que se especula, o octogenário Fidel Castro foi quem aconselhou Chávez a preferir Maduro, de 49 anos, Faz sentido para quem sabe que a estabilidade é preciosa nos re­gimes de força, tendo ele próprio si­do sucedido pelo irmão Raúl. Além disso, o vice parece satisfeito com a linha conciliadora adotada nos últi­mos meses pelo caudilho - o que não impediu este de vociferar coisas escabrosas sobre o opositor Henri­que Capriles na recente campanha eleitoral. Chávez e Maduro são pes­soalmente próximos. O ex-condu­tor de metrô, líder sindical, deputa­do e presidente da Assembleia Na­cional acompanhou o chefe em to­das as internações em Cuba. Nos de­sembarques é o segundo a aparecer na porta do avião. Politicamente, é um bolivariano de mãos enluvadas. Para uma analista, o seu traço mais marcante é a fidelidade. Outros des­tacam o seu "temperamento de chanceler" e disposição para o diálo­go - a antítese de Chávez. A ver co­mo se portará quando a natureza se­guir o seu curso e o chavismo preci­sar de outra liderança carismática para evitar a sua fragmentação e eventual colapso.