Título: Os números do Enade
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/12/2012, Notas e informações, p. A3

Os resultados do Exame Nacio­nal de Desem­penho de Estu­dantes (Enade) de 2011, que acabam de ser divulgados, de novo apontam para a má quali­dade do ensino superior brasi­leiro. Segundo a avaliação, um terço das 2.136 faculdades, cen­tros universitários e universi­dades avaliadas pelo MEC ob­teve nota 1 ou 2 no índice Ge­ral de Cursos (IGG), considera­das insuficientes pelas autori­dades do setor. Em outras pala­vras, um em cada três cursos foi reprovado.

As notas vão de 1 a 6. Apenas 16 instituições alcançaram a nota máxima. Todas estão loca­lizadas no Sudeste, a região mais desenvolvida do País. En­tre as escolas públicas, o Insti­tuto Tecnológico da Aeronáuti­ca - uma tradicional e respeita­da escola de engenharia situa­da em São José dos Campos, no Vale do Paraíba - foi a mais. bem classificada. Entre as parti­culares, a primeira da lista foi a Escola Brasileira de Economia e Finanças. A instituição existe há cerca de dez anos, tendo si­do criada a partir da expansão da renomada Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas.

A nota de cada instituição no IGG, que é o medidor da quali­dade do ensino superior no País, é calculada com base em três indicadores. Com um peso de 55%, o primeiro indicador é a pontuação dos formandos dos cursos de graduação avalia­dos pelo Enade. O segundo in­dicador, que tem um peso de 30%, corresponde à titulação dos professores e aos respecti­vos regimes de trabalho - par­cial, turno completo ou tempo integral e dedicação exclusiva - a que estão submetidos. No Enade de 2011, o MEC alterou o valor da titulação - o quesito de professor com título de dou­tor perdeu peso e o quesito de docente com mestrado e dedi­cação integral aumentou. O ter­ceiro indicador, que tem um pe­so de 15% na definição da nota do IGC, reflete a qualidade da infraestrutura e da organiza­ção didática e pedagógica de ca­da instituição.

Como ocorreu nos anos ante­riores, assim que os números do Enade de 2011 foram divul­gados o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou que as instituições de ensino superior reprovadas serão puni­das. As autoridades educacio­nais sempre ameaçaram de fe­chamento as faculdades, cen­tros universitários e universida­des sem qualidade, mas, na maioria dos casos, limitaram-se a reduzir o número de vagas e a extinguir alguns cursos. Des­ta vez, o MEC promete que as instituições reprovadas pode­rão ser proibidas de participar dos programas de financiamen­to estudantil mantidos com re­cursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa­ção, como o ProUni e o Fies.

As punições administrativas são importantes para coibir abu­sos cometidos por faculdades criadas apenas para ganhar di­nheiro. Mas a baixa classifica­ção no IGG já é uma forma de censura pública dos cursos sem qualidade. É por isso que, para preservar sua imagem, algumas escolas recorrem a um expe­diente condenável, não inscre­vendo nas provas do Enade os alunos mais despreparados. Co­mo a inscrição dos estudantes é de responsabilidade dos coorde­nadores acadêmicos das insti­tuições, eles só inscrevem os es­tudantes mais bem preparados. Essa é a forma encontrada por esses cursos para "maquiar" os resultados da avaliação.

"As instituições deixam de inscrever de propósito os alu­nos de menor rendimento", afirma o consultor jurídico da Associação Brasileira de Mante­nedoras de Ensino Superior, Gustavo Fagundes. Pelas regras do MEC, os cursos só podem ter 2% dos alunos não inscritos no Enade, sob pena de serem fe­chados. Mas, apesar de dispor dos dados do Censo da Educa­ção Superior e de ter acesso ao sistema para ver o registro dos alunos, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacio­nais (Inep) - o órgão responsá­vel pelo Enade - alega não ter condições de fazer esse contro­le. Já as faculdades acusadas de "maquiar" suas listas de candi­datos afirmam que o Manual do Enade não as obriga a en­viar, pelo correio, o número de inscrição e a data das provas.

Enquanto esse problema não for resolvido, o IGC permanece com sua legitimidade compro­metida, pois não reflete a real si­tuação do ensino superior.