Título: Ah, se fosse verdade...
Autor: Moreira, Marcelo M. R. ; Nassar, André M.
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2013, Espaço aberto, p. A2

A presidenta Dilma Rousseff parece relutar em aumentar a mistura de etanol anidro na gasolina para 25% (hoje está em 20%). E reluta ain­da mais em aumentar o preço da gasolina para reduzir as per­das da Petrobrás com as cres­centes importações do combus­tível. Se depender das estatísti­cas recém-lançadas do IBGE de produção de cana-de-açúcar, matéria-prima para a produção de etanol anidro e hidratado, a mistura nunca deveria ter sido reduzida a 20% e, ainda por ci­ma, o Brasil exportaria gasolina em 2013! É uma pena que quem errou tenha sido o IBGE. Quem dera estivesse correto...

O IBGE divulga anualmente a pesquisa Produção Agrícola Municipal (PAM), que traz os dados de produção, área planta­da e colhida e produtividade das lavouras permanentes e temporárias. Para os que que­rem explicar as mudanças espa­ciais da produção agrícola no Brasil, a PAM é muito importan­te, porque é aúnica pesquisa ofi­cial que traz dados desagrega­dos por municípios. A PAM de 2011 foi lançada no final do ano passado. De acordo com a pesquisa, a produtividade média da cana-de-açúcar no País foi de 76,4 toneladas por hectare.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), igual­mente um órgão do governo fe­deral, também faz um acompa­nhamento próprio do andamen­to da produção. É natural que os dados das duas entidades sejam comparados. O levantamento da Conab informa-nos que a produtividade média do País nesse mesmo ano foi de 67 t/ha. Entre IBGE e Conab existe uma diferença de 9,4 t/ha.

A moagem de cana-de-açúcar utilizada para produção de açú­car e etanol (anidro e hidrata­do) na safra 2011-2012 (ou seja, feita com a cana produzida em 2011) foi de 558,7 milhões de to­neladas. Se a produtividade da cana-de-açúcar tivesse, de fato, sido a informada pelo IBGE, a moagem teria atingido 638,7 mi­lhões de toneladas, 80 milhões a mais. O IBGE ainda não divul­gou a PAM de 2012, mas, admi­tindo que a mesma imprecisão terá ocorrido nesse ano, a moa­gem IBGE na safra 2012-13 será de 666,8 milhões de toneladas, e não os 582,6 milhões de tonela­das esperados pelo mercado. Lembrando que a safra 2012-13 ainda está em curso e termina agora em abril.

Mas o que isso tem que ver com o mercado de combustí­vel? Numa interpretação radi­cal, o IBGE praticamente teria salvado a Petrobrás e liberado a presidenta Dilma de ter de to­mar mais uma decisão entre as tantas que abarrotam sua mesa de trabalho.

Dos 558,7 milhões de tonela­das moídas de cana na safra 2011-12 foram produzidos 35,9 milhões de toneladas de açúcar, 8,6 bilhões e 14,1 bilhões de li­tros de anidro e hidratado. Do total produzido de etanol, 7,9 bi­lhões e 11,5 bilhões de litros de anidro e hidratado, respectiva­mente, foram consumidos no Brasil. Aestimativa para 2012-13 aponta 36,9 milhões de tonela­das (açúcar), 9,2 bilhões e 14 bi­lhões de litros (anidro e hidrata­do) de produção e consumo de etanol de 8 bilhões e 12 bilhões de litros. Lembrando que o con­sumo de hidratado já chegou a 16,7 bilhões de litros.

Em 2011 o Brasil consumiu 36,8 bilhões de litros de gasolina C (22% de mistura com anidro) e teve de importar 2,2 bilhões de, litros de gasolina A (sem eta­nol). Em 2012 o consumo foi de 40,5 bilhões de litros (com 20% de mistura de anidro), com im­portação de 3,6 bilhões de litros.

Se tivéssemos moído 1,3 bi­lhão de toneladas de cana (soma de 2011 e 2012), em vez de 1,14 milhão, estaríamos em situação completamente diferente da vividaatualmente. Os 164 milhões de toneladas de diferença, se convertidos integralmente para etanol, teriam produzido 13,1 bilhões de litros a mais acumulados nos dois anos, 33% mais que a produção real! Vale lembrar que teria sido perfeitamente pos­sível moer esse volume adicio­nal de cana porque o setor tem capacidade instalada para isso.

Admitindo que toda a cana a mais fosse para a produção de etanol, esses 13,1 bilhões de li­tros teriam ido integralmente para o mercado de combustível. E admitindo que o consumo to­tal de veículos leves em 2011 e 2012 fosse o mesmo do observado, a maior oferta de etanol só mudaria a participação deste e da gasolina no consumo total.

Nesse sentido, o consumo de gasolina C (misturada com ani- 1 dro), fruto da maior oferta de eta­nol, teria sido de 32,7 bilhões e 37,4 bilhões de litros (2011 e 2012) , ou seja, 7,2 bilhões de li­tros menor. A redução do consu­mo de gasolina é menor que o crescimento do consumo de eta­nol porque o veículo rodando com este consome mais combus­tível por quilômetro rodado. Es­sa redução já leva em conta tam­bém 25% de mistura de anidro na gasolina em 2011 e 2012.

Um consumo de gasolina C 7,2 bilhões de litros menor signi­fica 5,7 bilhões de litros a menos de gasolina A (sem anidro). Pas­mem: as importações acumuladas de gasolina A em 2011 e 2012 foram de 5,8 bilhões de litros. Is­so significa que, dada a retoma­da na produção de etanol espera­da para a safra 2013-14, é bem provável que o Brasil voltasse a ser exportador da gasolina A, co­mo foi até 2009.

Este artigo, obviamente, não se trata de uma ironia ao IBGE. O instituto deve revisar seus da­dos em algum momento no fu­turo. Além disso, o debate so­bre as estatísticas de produção agrícola é antigo e tanto o IBGE quanto a Conab são questionados a todo momento sobre isso.

O importante é entender que o mercado de combustível não seria motivo de preocupação da presidenta Dilma se a produção de cana tivesse seguido o ritmo de crescimento esperado. Basta­va a produtividade da cana em 2011 ter sido igual à de 2010 e grande parte dos problemas não existiriam.

As importações de gasolina em 2011 e 2012 custaram ao Bra­sil US$ 4,5 bilhões, o que repre­senta ao redor de 20% da renda bruta da cana-de-açúcar. Por muito menos que isso o gover­no poderia ter ajudado a garan­tir a cana necessária para zerar as importações de gasolina. Sem dúvida, uma alocação bem ineficiente de recursos.

* RESPECTIVAMENTE, DIRETOR-GERAL E PESQUISADOR DO ICONE SITE: WWW.ICONEBRASIL.ORG.BR