Título: O peculiar espírito público do PT
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2013, Notas e Informações, p. A3

Em termos singe­los, ter espírito pú­blico significa colo­car os interesses da comunidade acima de interesses pes­soais ou de grupos.

No trato da coisa pública - por exemplo, no governo de um país - a aplicação rigorosa des­se princípio é fundamento indispen­sável, porque os interesses nacionais nem sempre coincidem com os inte­resses ocasionais dos grupos políti­cos que empolgam o poder. Estes tendem a priorizar ações governa­mentais que favoreçam sua ambição - nem por isso menos legítima - de se manter no poder.

A isso se dá o nome de interesse eleitoral. Do bom governante espe­ra-se a coragem de fazer o que pre­cisa ser feito em benefício do bem comum, o que eventualmente - principalmente em situações de cri­se - implica adotar medidas que contrariem os interesses eleitorais imediatos dos grupos políticos que o sustentam.

Em outras palavras, não dá para governar cumprindo exclusivamen­te uma agenda artificial de boas notí­cias talhadas sob medida para ali­mentar campanhas eleitorais. Fazer um país andar para a frente não é res­ponsabilidade apenas do governo, mas de toda a sociedade. Governar, portanto, significa envolver a socie­dade no processo inevitavelmente di­fícil de construir o futuro.

A alternativa é o populismo, que reduz o cidadão à condição de elei­tor manipulado por uma máquina de fabricar ilusões. Assim, um governo que se pretende democrático e pro­gressista ou bem se conduz em obe­diência ao espírito público, ou bem cede à pressão dos interesses meno­res e se rende ao populismo. Este é o grande dilema que o governo de Dilma Rousseff enfrenta ao ingressar na segunda metade de seu mandato.

As lideranças do PT - partido que nasceu "ideológico" e no poder se tornou deslavadamente populista - andam extremamente preocupadas com os rumos do governo Dilma. O cumprimento das metas otimistas triunfalmente anunciadas, especial­mente na área econômica, é no mo­mento a grande pedra no sapato dos mais influentes líderes petistas, segundo revela o jornal Valor (17/1). E essa preocupação é agrava­da pelo fato de que todos conside­ram que, a partir de agora, a campa­nha presidencial de 2014 está nas ruas e é imprescindível, portanto, atentar para o efeito eleitoral das principais ações governamentais. Ou seja, "sincronizar as agendas do PT, do Lula e da Dilma". E é aí, evi­dentemente, para colocar a ques­tão nos termos enunciados pelo al­to dirigente petista citado pelo Va­lor, que PT, Lula e Dilma podem en­trar em rota de colisão. A hipótese, no entanto, nos parece inteiramen­te improvável, a menos que a presi­dente imponha o espírito público na condução do governo.

O que parece bastante provável é que, nos próximos meses, a relação entre o governo e o principal partido que o apoia adquira certa tensão. Es­tá claro que, a partir de agora, o PT não está interessado em governar o País, mas em vencer as eleições de 2014. É a inversão do princípio de que os partidos políticos querem ga­nhar eleições para chegar ao poder. O PT quer usar o poder para ganhar eleições e para tanto não hesitará em fazer rigorosamente tudo o que for necessário. Essa é sua visão mui­to peculiar de espírito público.

Dessa perspectiva, Lula & Cia. têm de fato motivos de sobra para se preocuparem. Na contramão das pre­visões otimistas de Dilma e, princi­palmente, do ministro Guido Mantega, a economia patina e cambaleia à custa de um amplo repertório de arti­fícios como incentivos fiscais, finan­ciamento do consumo e imposição de freios ao reajuste do preço de ser­viços públicos.

A aparelhada máquina do governo dá demonstrações repetidas de enor­me incompetência no cumprimento do cronograma de obras de impacto na área de infraestrututa, anuncia­das como prioritárias. No setor de energia, o desempenho público do ministro Lobão seria cômico, se não fosse trágico, pois demonstra diaria­mente que não entende nada do as­sunto ou é mal informado. Talvez os dois.

Nesse quadro, aguarda-se a "Visi­ta" que Lula, de volta à cena política, fará a Dilma nos próximos dias. O en­contro poderá marcar um episódio importante no confronto dos inte­resses do PT com o espírito público.