Título: Sem manobras contábeis, saldo primário seria de 1,89% do PIB
Autor: Villaverde, João ; Fernandes, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2013, Economia, p. B4

Desconsideradas as manobras contábeis, o setor público deve ter fechado as contas de 2012 com um resultado pouco supe­rior à metade da meta fixada pa­ra o ano, de 3,1% do Produto In­terno Bruto (PIB). Cálculos do economista Felipe Salto, da con­sultoria Tendências, apontam um resultado de 1,89% do PIB.

Aconta "limpa" o resultado de fatores extraordinários que aju­daram a engordar o saldo do ano de forma considerada artificial. É o caso de duas operações de pagamento antecipado de divi­dendos da Caixa ao Tesouro, que elevaram as receitas em R$ 6,19 bilhões. O mesmo foi feito com o BNDES, que engordou o caixa federal em R$ 5,36 bilhões.

Também foram retirados do saldo final os R$12,4 bilhões que o Tesouro resgatou do Fundo So­berano do Brasil (FSB). Em con­trapartida, foram desconsidera­das as despesas com subsídios. O cálculo chama-se Primário Efetivo Tendências (PET).

Dessa forma, ele calcula que o conjunto formado por União, Es­tados e municípios deve ter fe­chado o ano de 2012 com um su­perávit primário (economia de recursos para pagamento da dívi­da pública) equivalente a 1,89% do PIB. No entanto, a estatística oficial, a ser divulgada hoje, deve­rá apontar um saldo de 2,66% do PIB, na projeção do economista.

Luz amarela. Um resultado efe­tivo de 1,89% do PIB acende uma luz amarela, alerta Salto. Ele cal­cula que seria necessário pelo menos 1,5% do PIB a cada ano para manter a dívida pública na trajetória de queda da última dé-cada. Esse tem sido o objetivo central dos operadores de caixa do governo desde a crise de 1999: produzir saldos positivos para abater a dívida. Assim, o endivi­damento público cai ano a ano. O saldo, de 60,38% do PIB em 2002, caiu para 36,41% em 2011.

"Está próximo do limite", afir­mou Salto. "Se o objetivo da polí­tica fiscal ainda é a queda da rela­ção dívida/PIB, o governo usou praticamente todo o espaço que tinha." Ele calcula que o resulta­do de 2013 será de 1,78% do PIB e em 2014 o resultado serábem me­nor: 1,49%. Assim, a presidente Dilma Rousseff encerrará o man­dato com resultado primário mé­dio efetivo de 2,01% do PIB, ante 2,43% nas estatísticas oficiais.

O problema dessa discrepân­cia é que, com tantas exceções, o resultado primário deixa de ser um termômetro confiável para as intenções do governo em rela­ção à dívida pública. Para Salto, não está claro se o controle do endividamento segue como o centro da política fiscal. "O go­verno pode fazer política expansionista, e deve, se tiver como fa­zê-lo de maneira transparente e focado em investimentos."

Não é, porém, o que se vê. Os cofres do Tesouro foram aber­tos para estimular a atividade econômica pela via do consumo, o que na visão do economista ge­ra resultados temporários. Tam­bém foram utilizados para man­ter a inflação sob controle.

Ao comprometer o caixa des­sa forma, o governo põe em risco os outros dois pilares da política econômica: câmbio e juros. Am­bas se apoiam no Tesouro. Para manter o dólar no nível deseja­do, o BC passou muito tempo comprando moeda estrangeira e engordando as reservas interna­cionais, mas para isso foi neces­sário emitir títulos. Da mesma forma, a administração dos ju­ros exige a emissão de papéis pa­ra eventualmente retirar o exces­so de moeda do mercado.

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