Título: Na OMC, não serei mais o embaixador do Brasil
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2013, Economia, p. B8

Num esforço para ganhar votos e superar o mal-estar deixado pelo Brasil com alguns de seus sócios por conta das barreiras adotadas, o brasileiro Roberto Azevedo, candidato ao cargo de direção da Organização Mundial do Comércio (OMC), se distancia dos temas mais polêmicos da política comercial brasileira e garante que, se eleito, defenderá o interesse de todos os países.

Ontem, o embaixador Azevedo foi sabatinado na entidade, em uma sessão em que foi questionado sobre diversos assuntos. A escolha só ocorrerá em maio. Mas os nove candidatos ao posto sabem que um deslize em Genebra significaria a perda de pontos na corrida. Azevedo foi questionado pela Coreia sobre protecionismo, mas iniciou sua intervenção esclarecendo que, depois de 17 anos na OMC representando o Brasil, finalmente falaria em nome próprio. "Esta é a primeira vez que, nesse prédio, vou compartilhar minha visão pessoal sobre essa organização, sobre o sistema comercial e sobre onde estamos hoje", disse aos demais embaixadores.

A estratégia não ocorre por acaso. Nos últimos meses, o aumento de barreiras comerciais no Brasil deixou dezenas de parceiros comerciais irritados, a ponto de a Casa Branca enviar uma carta ameaçando retaliar.

O Brasil também irritou muitos membros com a insistência de trazer para a agenda da OMC a questão do câmbio, com a criação de um mecanismo que autorizaria a elevação de tarifas. Para a maioria dos países, isso não passaria de uma forma de o Brasil justificar barreiras. Azevedo deixou claro, agora, que não partirá dele a introdução do assunto na agenda da OMC, se eventualmente for eleito.

Para o embaixador brasileiro, a OMC vive um momento crítico. “O sistema precisa ser renovado ou será incapaz de lidar com as demandas de um mundo em mudança”, alertou. Em sua visão, se a Rodada Doha não for concluída, a OMC continuará “fora do radar” do mundo. “Nenhum marketing vai mudar essa realidade. Vamos precisar de um diretor que trabalhe, arregasse a manga e enfrente a situação. Será uma tarefa herculana. Mas precisa ser feita.”

Ele também mandou seu recado aos países em desenvolvimento. “O comércio não é o objetivo da OMC. Mas um instrumento para desenvolvimento.”

Ao final da sabatina, Azevedo falou ao Estado. A seguir, os principais trechos da entrevista.

® Depois de 12 anos de uma negociação sem resultado, a Rodada Doha ainda tem alguma relevância para a economia mundial?

Sim, não tenho nenhuma dúvida disso. Tinha avanços muito importantes previstos na Rodada, em vários setores. Eles são significativos até hoje. Se a Rodada for concluída de maneira positiva, teremos ganhos tanto em acesso a mercados como : em disciplinas do comércio. E tudo isso tem um valor econômico muito importante.

© Mas há a impressão de que o mundo já deu um passo adiante. 0 que pode ocorrer com a OMC se o projeto fracassar?

A OMC tem a obrigação de tentar concluir a negociação. O sistema está paralisado. E claro que a OMC é maior que a Rodada. Mas a realidade é que a Rodada emperra o sistema. Então, eu não vejo alternativa que não seja pela Rodada. Podemos tentar algum acordo aqui ou ali, mas a OMC precisa contornar o impasse que vive hoje.

® A Coreia o questionou sobre o protecionismo. Qual o risco que isso representa para a economia internacional?

O protecionismo é uma ameaça sempre presente. Países vivem ciclos econômicos diferentes, com momentos mais liberalizantes e outros menos liberali-zantes. O que eu disse é que a melhor proteção contra o protecionismo é o próprio sistema multilateral, que estabelece limites para o espaço de política pública que os países podem adotar. A melhor maneira de se evitar um recrudescimento das condições de abertura de mercado é fortalecer o sistema multilateral, negociando. E, para isso, precisamos sair do impasse.

®0 Brasil tem sido fortemente criticado nos últimos meses por alguns dos parceiros comerciais. A posição do Brasil, adotando medidas protecionistas, pode atrapalhar sua candidatura?

Em primeiro lugar, o governo jamais aceitou e nunca admitiu que estivesse adotando medidas protecionistas. Você pode ou não concordar com essa situação. O governo brasileiro entende que está tomando medidas que são necessárias diante das circunstâncias econômicas que se vive, inclusive à luz da taxa cambial anormal. Em segundo lugar, se eleito diretor da OMC, eu não sou mais embaixador do Brasil. Aí quem terá de defender a agenda brasileira e as medidas brasileiras será o novo embaixador do Brasil. Eu estarei usando um outro chapéu e estarei defendendo os interesses dos membros da OMC e os interesses da instituição.

®Nos últimos dois anos, um dos temas que o sr. tratou foi a introdução do câmbio na agenda da OMC, Como diretor, o sr. acredita que o tema ainda terá espaço, depois de ter tantas críticas?

São os governos que precisam definir isso. O diretor não tem pode decidir o que os membros devem ou não falar. Não é uma decisão do diretor. Se alguém quiser introduzir um tema, seja energia, segurança alimentar, ele tem de convencer os demais que o tema deve ser discutido. O diretor-geral que quiser ditar a agenda da OMC perde o emprego rapidamente.

® Entre os nove candidatos, três são latino-americanos. Por que Brasil não se comprometeu em apoiar apenas a América Latina, se por acaso o sr. for eliminado?

A posição do governo foi uma posição sistêmica e coerente com práticas de organismos internacionais. Há uma alternância entre desenvolvidos e em desenvolvimento. Outro conceito é a rotatividade geográfica. Como já houve um asiático na OMC, seria a vez de um latino-americano ou africano.