Título: Tempo de Murici
Autor: Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2013, Nacional, p. A6

O senador Renan Calheiros conhe­ce a história. Havia lá nas Alagoas de sua Murici natal um chefe polí­tico do interior ("coronel Elísio") violento no gesto e ameno na palavra que depois de mandar matar seus desafetos co­municava assim o fato consumado aos chefia­dos: "Deu-se a tragédia"

Assassinado o decoro ontem às 14h30, deu-se a tragédia no Senado, que agora terá de con­viver com um presidente moralmente baleado e por dever de ofício emprestar-lhe reverência.

O ato da eleição em si foi relativamente simples. Bastou que o candidato se mantives­se escondido, que o PMDB lhe desse abrigo, que o vice-presidente da República fizesse papel de seu porta-voz, que o governo com­pactuasse e que a maioria das excelências (56 em 81) a ele se igualasse.

O complicado vem agora. Salvo apodreci­mento precoce que interrompa o percurso, se­rão dois anos durante os quais não há a menor chance de as coisas melhorarem por lá, não obstante pior pareça impossível.

O Senado não terá um presidente por in­teiro. Será permanentemente cobrado pe­las denúncias que o envolvem e podem em breve transformá-lo em réu no Supremo Tribunal Federal.

Provavelmente Calheiros até tenha a inten­ção de fazer uma "gestão belíssima", como dis­se seu correligionário Michel Temer.

Candidato calado até aquele momento, ele iniciou seu discurso exaltando o valor do "de­bate". Falou em "eixos", "gestão eficiente", "transparência", "modernidade", "banco de dados" e por aí foi no palavrório de burocrata sem triscar de leve sequer no problema de fato: os fatos que desqualificam o Congresso que a partir de agora preside.

Lançou mão de um verniz defendendo a "liberdade de expressão" e a ética "como obrigação"; disse que o Congresso "é sócio da crise" geral dos parlamentos, mas transi­tou ao largo das razões do estrago específico.

Nada que lhe crie dificuldades, pois se o Sena­do quisesse mesmo sair do fosso teria feito uma escolha mais decente.