Título: Consumo nocivo de álcool cresce 31%, especialmente entre mulheres jovens
Autor: Bassette, Fernanda
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/04/2013, Vida, p. A18

Saúde. Aumento ocorreu em apenas seis anos, revela Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, divulgado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo; Lei Seca reduziu hábito de béber e dirigir, mas não impactou no padrão de consumo de bebidas

O consumo abusivo de álcool cresceu 31,1% na população brasileira nos últimos seis anos, especialmente entre as mulheres jovens, de acordo com o 2.º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), divulgado ontem por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo. Foram entrevistadas 4.607 pessoas com 14 anos ou mais, em 149 municípios brasileiros.

Esse crescimento foi observado no chamado ""beber em binge", um indicador que demonstra quando a pessoa ingere grandes doses de álcool (4 para as mulheres, 5 para os homens) em um período de menos de duas horas. Houve um aumento significativo nessa forma de consumo, nas mulheres em maior proporção: saltou de 36% para 49%.

"Houve um crescimento do beber excessivo entre as mulheres. Esse é o grupo mais vulnerável. Além do fator renda, que permite mais acesso às bebidas, elas estão mais expostas ao mercado de trabalho, e a mulher que tem vida social como o homem acaba bebendo como o homem", diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, um dos autores da pesquisa.

A gerente de vendas Alessandra Maia, de 24 anos, engrossa essa estatística. Ela diz que bebe desde os 15 anos, em diversas situações: em casa, com amigos, com o namorado. "Quando é para ir para a balada, a gente costuma dizer que coloca o pé na jaca", diz a jovem, que afirma nunca ter passado mal por conta dos excessos. "Só chego a um ponto que dá alegria", afirmou.

Apesar de a pesquisa demonstrar que mais da metade da população brasileira não consome álcool (52%), houve um aumento geral de 20% na frequência do uso de bebidas alcoólicas. "A estrutura do beber não mudou. A metade da população que não bebia continua não bebendo. O que preocupa é que aumentou o consumo e a frequência do consumo entre os bebedores, que é a outra metade", afirma o pesquisador Laranjeira.

Os dados demonstram que os 20% que mais bebem consomem 56% de todo o álcool comercializado. Além disso, 32% dos adultos que bebem disseram já não terem sido capazes de parar de beber depois de começar; 10% dizem que alguém já se machucou em conseqüência do seu consumo de álcool; e 8% admitem que a bebida já teve efeito prejudicial no local de trabalho.

Saúde pública. Um dos dados que chamam a atenção na pesquisa é que, depois que a Lei Seca entrou em vigor, o número de pessoas que relatou ter bebido e dirigido no último ano caiu 21% - o que demonstra uma tendência de diminuição desse hábito.

Mas, segundo os pesquisadores, a lei não teve nenhum impacto na diminuição do consumo de álcool. "A Lei Seca é boa para a Lei Seca, para diminuir acidentes, e não para a redução do padrão de consumo", diz Laranjeira.

"Temos 1 milhão de locais de venda de álcool no País. Esse mercado não foi mexido. A indústria tenta se expandir, e essa tendência continua intocada. Não temos nenhuma política pública para desestimular o consumo. A única política existente é aquela que desestimular o beber e dirigir, e isso é bem diferente", diz.

A psicóloga Ilana Pinsky, vice-presidente da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e Drogas (Abead), também critica a falta de políticas públicas.

"Dificultar o acesso é a primei-ra providência que o governo precisa tomar. Também é necessário reduzir os locais de venda do produto e os horários, além de aumentar o preço. Hoje é possível comprar bebida alcoólica em qualquer lugar, a qualquer hora e a um preço baixo", avalia.

Outro problema, diz Ilana, é o excesso de publicidade voltada principalmente ao jovem. "Há na internet, nas redes sociais, na TV. É uma coisa brutal. E, cada vez mais, o foco são as mulheres."

Edgard Rebouças, coordenador do Observatório da Mídia, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e conselheiro do Instituto Alana, diz que a lei que regulamenta a publicidade de bebidas é discrepante porque considera como alcoólicas "apenas aquelas com teor alcoólico superior a 13 graus Gay Lussac"- o que inclui vodca, conhaque e uísque, excluindo vinho, cervejas e as bebidas ice.

"Isso é um absurdo. Por isso, a publicidade de cerveja é permitida em todo lugar, em qualquer horário. E os jovens bebem muita cerveja. Falta uma política séria do governo. O País diminuiu o número de fumantes, mas não consegue reduzir o número de alcoólicos", diz Rebouças.

O Ministério da Saúde informou que desenvolve ações para prevenção ao consumo de álcool, mas que a responsabilidade sobre publicidade e venda é da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (Senad). Procurada, a Ambev, citada nominalmente pelos pesquisadores, informou que não se pronunciaria sobre os resultados da pesquisa. / COLABOROU MÔNICA REOLOM