Título: UM ALERTA AOS AIATOLÁS
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Fonte: O Globo, 24/02/2005, O Mundo, p. 30

Depois de amenizar a postura de Washington em relação à possível venda de armas pela União Européia (UE) à China, o presidente George W. Bush intensificou a pressão sobre o Irã ontem, no terceiro dia de sua turnê pela Europa. Num encontro com o chanceler federal da Alemanha, Gerhard Schroeder, na cidade de Mogúncia, Bush afirmou que os aiatolás devem ¿abrir mão de suas ambições nucleares¿ e pediu uma frente única de ação dos EUA e seus aliados sobre Teerã. Schroeder, que se opôs à invasão do Iraque, alinhou-se à posição americana.

O presidente agradeceu os esforços de França, Grã-Bretanha e Alemanha para convencer o Irã a desmantelar seu programa de enriquecimento de urânio em troca de incentivos comerciais e garantias de segurança, e disse que a via diplomática está apenas começando a ser trilhada.

¿ O Irã não é o Iraque ¿ disse Bush, procurando afastar temores de que uma nova ação militar americana esteja a caminho.

Washington acusa Teerã de manter um programa secreto de armas nucleares, mas o governo iraniano nega. Schroeder apoiou a exigência de Bush, mas deixou clara a preferência por formas pacíficas para resolver a questão.

¿ Somos da mesma opinião de que este é um objetivo que deve ser alcançado por meio de negociações diplomáticas, se isso for possível.

O conselheiro de Segurança Nacional americano, Stephen Hadley, não disse se Bush estava aberto a abraçar a estratégia de concessão de incentivos adotada por Londres, Paris e Berlim, apesar dos agradecimentos do presidente ao trio de aliados europeus. Segundo ele, o presidente vai retornar a Washington e estudar os próximos passos.

Teerã: EUA pagarão alto preço se invadirem

A resposta de Teerã veio rápido. Acusando os EUA de não gostarem de um Irã independente, o presidente Mohammad Khatami advertiu Bush a não tentar invadir o país para derrubar o regime islâmico.

¿ Se ele tiver qualquer bom senso, deve saber que não conseguirão, e se conseguirem, o preço que vão pagar é muito maior do que o que nós pagaríamos ¿ ameaçou Khatami.

Bush não ficou só na pressão sobre os aiatolás. Ele aproveitou e renovou a exigência de que a Síria retire suas tropas e seu serviço secreto do Líbano. Washington começou a pôr o regime sírio contra a parede após o assassinato do ex-premier libanês Rafik Hariri duas semanas atrás em Beirute, crime em que muitos enxergam as digitais de Damasco.

Na Alemanha, Bush foi novamente alvo de manifestações hostis. Cerca de 10 mil pessoas saíram às ruas para protestar contra sua presença e a guerra no Iraque, chamando-o de ¿terrorista número 1¿ e classificando o Iraque de ¿novo Vietnã¿.

Hoje, o presidente se encontra em Bratislava, na Eslováquia, com seu colega russo, Vladimir Putin, que ele andou criticando indiretamente ao pedir respeito ao império da lei e às instituições democráticas por parte do Kremlin. Um assessor de Putin, no entanto, disse que os dois líderes vão discutir somente temas de preocupação bilateral.

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`HANDELSBLATT¿ (Alemanha): ¿Quanto mais os governos falarem sobre um novo começo, menos as pessoas vão acreditar.¿

`LE FIGARO¿ (França):¿A mudança de tom é espetacular. Bush de repente descobriu que a Europa existe. Se ele demorou quatro anos para fazê-lo, reconheçamos que a culpa recai, em grande parte, sobre nós europeus. Os europeus não levaram quatro anos para aceitar que Bush é o presidente eleito dos EUA?¿

`DER SPIEGEL ONLINE¿ (Alemanha):¿Os europeus estão adorando a nova abertura, mas também se perguntando o que está por trás disso e o que exatamente o homem mais poderoso do mundo espera deles em troca¿.

`CORRIERE DELLA SERA¿ (Itália): ¿Divergências, em interesse e cultura, são muitas. Elas não são fortes o suficiente para anular o que une a Europa aos EUA. Mas são fortes o suficiente para manter o caminho aberto a novas divisões¿.

`LIBÉRATION¿ (França):¿A lista de potenciais disputas é longa, seja sobre os sonhos nucleares do Irã (com quem os EUA não querem negociar), o Hezbollah (que a França não quer incluir na lista do terror), o projeto europeu de suspender o embargo à venda de armas à China, a crise do Oriente Médio, a defesa do clima, o multilateralismo e a repressão a crimes de guerra¿.

Democracia fora da pauta, diz senador

Para presidente de comissão do Senado russo, recaída autoritária não afeta cooperação

MOSCOU. Os problemas da democracia na Rússia não têm por que frear a colaboração com os EUA em matéria de segurança e não serão o tema central da reunião de cúpula entre Vladimir Putin e George W. Bush em Bratislava, sustenta Mikhail Marguelov, presidente da Comissão de Assuntos Internacionais do Senado russo.

¿ Com uma administração republicana em Washington, as relações entre os EUA e a Rússia não vão piorar, ainda que a situação da democracia piore aqui. Bush não é Jimmy Carter e os direitos humanos não são o tema central para ele ¿ disse Marguelov, referindo-se ao ex-presidente dos EUA, que em seu governo nos anos 70 foi um defensor dos direitos humanos.

Na primavera de 2001, Putin e Bush se viram pela primeira vez em Liubliana e fizeram amizade. O 11 de Setembro abriu novas possibilidades de cooperação na luta antiterrorista. Ainda assim, quase quatro anos depois, o balanço é de oportunidades perdidas.

¿ Não há contra-indicações para fortalecer o vínculo entre Rússia e os Estados Unidos, mas tampouco há estímulos ¿ opinou Marguelov. ¿ A oportunidade de transformar a relação numa aliança não foi aproveitada, porque em ambos os lados há muitos veteranos da Guerra Fria ativos.

As realizações reais nestes anos são escassas, ele reconhece. No campo da não proliferação, não se evitou que aparecessem novos Estados nucleares como a Coréia do Norte. No diálogo energético, os EUA ¿têm mais interesse no controle dos recursos globais do que em diversificar suas matrizes energéticas¿. Marguelov afirma ainda que na luta antiterrorista, o ¿Ocidente continua dividindo os terroristas em próprios e alheios¿ e ¿a colaboração é insuficiente para uma luta eficaz¿. Para ele, surgiram outras contradições, como na Ásia Central, onde a presença americana contribui para aumentar a própria segurança russa, mas limita a influência de Moscou na região.

¿ Até certo ponto a culpa é nossa porque não preenchemos o vazio político e militar na Ásia Central ¿ disse ele.

Marguelov acredita que o Iraque é a maior ameaça à segurança internacional e que se o país se fragmentar e surgir um Estado curdo, podem ¿explodir¿ também Síria e Turquia.