Título: A tarifa da Light é justa
Autor: JERSON KELMAN
Fonte: O Globo, 03/03/2005, Opinião, p. 7

As reuniões da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) são públicas e transmitidas ao vivo, pela internet. Os processos que embasam as decisões são igualmente públicos. Todavia, nem sempre conseguimos comunicar adequadamente as razões de nossas decisões, conforme destacado em recente editorial do GLOBO sobre a revisão tarifária da Light.

A revisão tarifária, prevista nos contratos de concessão, em geral realiza-se a cada quatro anos, para avaliar o equilíbrio econômico-financeiro de cada concessionária. Não deve ser confundida com o reajuste normal, que acontece todos os anos. Busca-se com a revisão uma tarifa "justa", necessária para cobrir os custos operacionais eficientes e permitir remuneração adequada sobre os investimentos prudentes. Para calcular os custos operacionais, a Aneel adota uma metodologia que simula o funcionamento de uma empresa eficiente, chamada de empresa de referência. Para a remuneração dos investimentos, a Aneel define a "base de remuneração", que é o conjunto de equipamentos necessários para atingir o padrão de qualidade desejável, valorando-o por meio de preços de reposição do mercado, e estima uma taxa de remuneração para essa base.

O processo de revisão da Light começou em novembro de 2003 e terminou em janeiro de 2005. A demora deveu-se basicamente à dificuldade técnica de calcular a base de remuneração, finalmente decidida em R$4,3 bilhões. Enquanto não existia o cálculo definitivo (as informações dadas pela empresa ainda estavam incompletas), a base de remuneração havia sido estimada conservadoramente - isto é, a favor dos consumidores - em R$3,5 bilhões. Essa estimativa foi usada no cálculo de um reajuste médio, concedido em novembro de 2004, de 5% (e não 13%, como tem sido noticiado).

Na ocasião, a Light recorreu da decisão. Entretanto, seu pleito só pôde ser parcialmente atendido em janeiro de 2005, após a empresa ter completado as informações. Trata-se, portanto, do julgamento do recurso apresentado em 2004, que envolve aspectos da revisão de 2003, e não de um novo reajuste.

A diferença entre R$4,3 bi e R$3,5 bi, somada a outros créditos da empresa junto aos consumidores, a Light tem direito a um acréscimo médio na tarifa de 6%, se aplicado imediatamente. O acréscimo será maior se aplicado em novembro (data do próximo reajuste) porque o crédito da Light seria corrigido pela taxa Selic. O total de 11% (5% em novembro de 2004 e 6% agora) é inferior tanto ao que a Light pretendia quanto ao resultado de um reajuste normal, caso aplicado em novembro de 2004.

Durante este processo, a Aneel detectou que a delicada situação financeira da Light, motivada, entre outras razões, pela subestimação da base de remuneração, já estava causando dificuldades operacionais à empresa, ameaçando a confiabilidade do fornecimento de energia. A antecipação do início do pagamento do montante que os consumidores "devem" à Light, de novembro para fevereiro de 2005, ajudaria a restabelecer a confiabilidade. Entretanto, como já existe uma tarifa em vigor desde novembro de 2004, só o Ministério da Fazenda pode tomar tal decisão, pela Lei do Real.

Adicionalmente à conclusão do processo de revisão tarifária, a Aneel determinou à Light que desenvolva uma ação firme no combate ao furto de energia. Ao contrário do que se pensa, os "gatos" não causam prejuízos apenas à concessionária. Parte da conta é paga pelos consumidores honestos.

A Aneel nunca cogitou em conceder à Light nem um centavo a mais do que ela tem direito. A motivação não é socorrer os acionistas da empresa com recursos retirados dos consumidores, como foi noticiado, e sim proteger os próprios consumidores das conseqüências de uma eventual queda na qualidade do fornecimento de energia, provocado pelo desequilíbrio da concessionária. A missão da Aneel é assegurar que o serviço público de energia elétrica seja prestado continuamente, com tarifa justa. Tarifa mais baixa do que a justa pode agradar a curto prazo, mas implica, a médio prazo, serviço não confiável.