Título: Um novo ritmo no combate à corrupção
Autor: Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 15/03/2005, Democracia 20 anos, p. 4

Apesar dos avanços, ainda são muitos os males

Nos últimos 20 anos, muito se ampliou a atuação do Ministério Público, com a edição da Lei 7.347, de 1985, e a consolidação de um novo instrumento de defesa da coletividade ¿ a ação civil pública. A expansão dessa via de participação política só seria possível num cenário de revitalização democrática, onde a valorização da dimensão comunitária pudesse sobrepor-se à vertical e autoritária condução dos problemas sociais e ao individualismo estimulado pelos fautores do poder.

O protagonismo do Ministério Público na defesa dos interesses coletivos e na fiscalização de políticas públicas corresponde ao ¿ativismo judicial¿, resultando na judicialização de conflitos antes restritos ao Executivo e ao Legislativo. Tal fato reflete o deslocamento do centro de gravidade do fenômeno democrático, que deixou de girar apenas em torno do sufrágio para conceber, também, maior participação na afirmação das expectativas de bem-estar coletivo. A redemocratização produziu, sim, variações no campo da participação comunitária, com novos espaços de solução de conflitos.

O processo de redemocratização repercutiu na relação entre Ministério Público e sociedade, pontuada, hoje, por saudável interdependência, com crescente provocação dos segmentos organizados que percebem no Ministério Público um canal de representação eficaz, por ser portador de instrumentos garantidores de maior mobilidade, tais como o inquérito civil e o termo de ajustamento de conduta. Longe de ser uma forma negativa de tutelar a cidadania, a presença do Ministério Público na arena social será tanto mais legítima quanto mais interativa for sua atuação com a sociedade. Assim também deve caminhar a democracia, buscando firmar-se como destino perene da nação.

Apesar dos avanços, ainda são muitos os males do cotidiano. O maior deles é a corrupção. A baixa pontuação do Brasil no ranking divulgado pela Transparência Internacional (3,9 pontos) é um triste indicativo. Nesse campo, verifica-se o papel atuante do Ministério Público, seja com medidas de responsabilização penal, seja por meio de ações de improbidade, com sanções de suspensão de direitos políticos, perda do cargo e ressarcimento do erário, entre outras penalidades, numa inequívoca demonstração de compromisso institucional.

Mas não são poucos os entraves. O excessivo atraso no andamento de ações judiciais, a existência de normatividade obsoleta e projetos descabidos conspiram na linha oposta à luta contra a corrupção, comprometendo, nesse ponto, o ideal democrático e fomentando a impunidade. A PEC nº 358, de volta à Câmara, quer, por exemplo, no bojo da reforma do Judiciário, a adoção de foro privilegiado para ex-autoridades, inclusive em ações de improbidade. Grave é o embaraço, pois ¿prerrogativa de foro¿ se destina ao cargo, não à pessoa que o exerceu. Tal privilégio, além de ofensivo à igualdade, concentra poderes nos tribunais, já assoberbados com julgamentos de recursos, congestionando o trânsito da Justiça. Democracia pressupõe amplo e ágil acesso à jurisdição. A democracia brasileira não deve avançar em ritmo de tango, com dois passos à frente e três para trás.

NICOLAO DINO é presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)