Título: Desigualdade: Brasileiros vivem melhor, mas abismo não diminui
Autor: Enio Vieira e Martha Beck
Fonte: O Globo, 15/03/2005, Democracia 20 anos, p. 13

Houve uma melhora continuada no bem-estar dos brasileiros, com aumento de expectativa de vida, grau de escolaridade e acesso à saúde nos últimos 20 anos. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil subiu de 0,695, em 1985, para 0,775 em 2002. Segundo as Nações Unidas (ONU), essa foi uma das maiores variações que ocorreram no mundo neste período. No entanto, o desempenho do IDH foi acompanhado pela manutenção da distância entre ricos e pobres e brancos e negros. O índice Gini, que mede a desigualdade, ficou praticamente estável em 0,59 entre 1985 e 2002. Quanto mais próximo de um, mais desigual.

¿ O bem-estar pode avançar mesmo sem crescimento econômico, como ocorreu no Brasil. Em duas décadas e meia, a expectativa de vida aumentou oito anos, mas o Brasil ainda está em 110 lugar entre 175 países ¿ afirma o coordenador de políticas sociais do Programas das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil, José Carlos Libânio.

Ele lembra, no entanto, que a manutenção da desigualdade, combinada ao ritmo lento de melhorias sociais e ao aumento da violência urbana, é ruim para a democracia, pois faz com que haja até mesmo aceitação de regimes não democráticos que tragam mais desenvolvimento, segundo pesquisa feita pelo Pnud em 18 países da América Latina em 2004.

Reduzir a desigualdade é omaior desafio para o país

É justamente combinar democracia com melhoria na distribuição de renda o desafio ainda não superado pelo Brasil, segundo o professor do Instituto de Economia da Unicamp Márcio Pochmann. Ele lembra que o país já conseguiu avançar economicamente em períodos de ditadura e ter democracia com desigualdade de renda, mas nunca chegou ao ideal:

¿ Reduzir a desigualdade dentro de um regime democrático é o nosso maior desafio ¿ diz.

Segundo ele, os últimos 20 anos de redemocratização foram marcados por uma série de dificuldades para a realização de gastos em áreas estratégicas para a melhoria das condições de vida da população, como educação e saúde. Um problema, de acordo com Pochmann, é o fato de a Constituição de 1988 ter descentralizado os gastos públicos, passando para estados e municípios a responsabilidade por várias despesas na área social. Ao mesmo tempo, a União aumentou a carga de impostos e contribuições que não são divididos com os demais entes da Federação.

¿ Estados e municípios ficaram encarregados de honrar despesas com cada vez menos recursos¿ diz o professor da Unicamp.

O coordenador de Estudos de Mercado de Trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Lauro Ramos, e o economista da PUC-RJ José Márcio Camargo destacam que a abertura política foi responsável pelo aumento de uma série de benefícios que ficaram consolidados na Constituição de 1988 e que aumentaram muito a pressão por gastos governamentais. Entre eles estão, por exemplo, benefícios previdenciários e pensões.

¿ Na Constituição de 1988, talvez tenha havido a exacerbação na busca de direitos ¿ afirma Ramos.

¿ O Brasil gasta hoje 20% do PIB com o social, sendo que 13% do PIB são destinados a aposentadorias e pensões. Esse fator, combinado com uma política fiscal rígida, impede que haja investimentos significativos em áreas importantes ¿ diz Camargo.

Os 20 anos de redemocratização também não refletiram melhorias na renda dos trabalhadores. Segundo Pochmann, a renda média da população em idade ativa e com rendimento era o equivalente a R$ 649 em 1985, sendo que, em 2003, havia subido para apenas R$ 685. Ele destaca que, em 1985, os 40% mais pobres da população equivaliam a 8% dos brasileiros em idade ativa e com renda. Em 2003, esse número passou a 10,2%.

Já os 10% mais ricos equivaliam a 48,8% da população em idade ativa e com rendimento em 1985. Em 2003, esse percentual havia caído para 46,1%.

¿ Houve um achatamento da renda ¿ diz Pochmann.

Para Libânio, do Pnud, o desempenho do Brasil na distribuição de renda não teve alteração ao longo dos últimos 20 anos. Ele ressalta que também se manteve estático o componente racial da pobreza no Brasil. Em 1976, os negros e os pardos eram 39,5% da população e 57,6% dos pobres brasileiros. Em 2001, eles representavam 46,1% da população e 69,6% dos pobres.

Já Pochmann diz que as diferenças entre a renda de homens e mulheres se reduziram ao longo das últimas décadas, mas não porque as mulheres tenham conseguido grandes avanços:

¿ A redução da diferença da renda entre homens e mulheres ocorreu principalmente porque houve queda nos ganhos masculinos.