Título: Olha a sucessão aí!
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 22/03/2005, Panorama Político, p. 2

Há hipocrisia das grossas nas reações à defesa da reeleição do presidente Lula pelos ministros Dirceu e Humberto Costa na festa petista de sábado. Que o presidente será candidato em 2006 todo mundo sabe. Que o PT queira antecipar a campanha, esquentar o clima e chamar logo os adversários para o campo de batalha é problema dele. E é isso mesmo que está fazendo.

Muito mais importante do que as declarações de Recife foram as ações recentes do governo federal no Rio, que também terão impacto sobre a sucessão. Sem apelar para o jogo baixo, sem usar de truculência, e fazendo apenas o que aparentemente a população espera de quem se importa com ela, o governo transformou em ferido grave um dos concorrentes de Lula em 2006, o prefeito Cesar Maia. Ferido grave, atente-se, ninguém está dizendo que Cesar está morto. Há indicações de que ele vem com bom índice de intenção de votos na pesquisa da CNI-Ibope que será divulgada hoje. Mas será preciso saber ainda em que pé estava a crise da saúde no Rio quando ela foi feita. Certo é que, ao acirrá-la, Cesar se deixou golpear facilmente, e ontem deu sinais de que anda com sua reconhecida capacidade de avaliação política abalada. Ao dificultar a instalação de um hospital de campanha da Marinha no Campo de Santana, para desafogar a emergência do Souza Aguiar, pode ter colidido ainda mais com sua base social, empurrando-a para Lula. Mas embora a intervenção na saúde do Rio tenha efeitos político-eleitorais, ninguém poderá dizer honestamente que foi eleitoreira.

As declarações de Recife, para o público interno do PT, também não são novidade. Perdeu tempo o presidente do partido, José Genoino, ao dizer que não houve lançamento e garantir que não existe pressa sucessória no PT. Tanto existe que ontem o Planalto convidou o presidente do PMDB, Michel Temer, para um encontro com Lula e Dirceu. Na conversa, quebrou-se a barreira de gelo erguida quando Michel liderou o movimento pela convenção que aprovou o rompimento com o governo, em dezembro. Segundo seus relatos, o presidente e o ministro falaram objetivamente que gostariam de ter todo o PMDB na coligação partidária que apoiará Lula em 2006. Também é lícito que Lula e o PT antecipem esse tipo de negociação. Com o PMDB ela será mesmo complicada, em função do racha interno. Apesar disso, ainda se trata do partido com maior implantação nacional, dono do maior número de prefeituras, da maior bancada no Senado e da segunda maior na Câmara. O PMDB pode dar o vice de Lula e isso seria uma das razões do azedume atual do vice José Alencar.

É lícito. Só não podem reclamar depois de açodamento sucessório da oposição, acusando-a de prejudicar as agendas legislativa e administrativa com movimentos eleitorais. A oposição, quando acelera, testa e esquenta os motores. Já o governo, quando faz isso, no fundo está encurtando sua vida útil.

O despudor continua

As taxas de angústia no governo estão altíssimas, com a demora do presidente Lula em fechar a reforma ministerial, e há quem tema que ele deixe tudo para depois da Páscoa.

A equação é complicada, mas a demora tem permitido impertinências como o ultimato do presidente da Câmara ao presidente da República para que nomeasse logo o deputado Ciro Nogueira para o Ministério das Comunicações. Bombeiros do PP atuaram para baixar as iras levantadas por Severino e garantir seu encontro com Lula, que até cogitou de desmarcá-lo.

O desatino de Severino (que se desculpou) e a briga dos partidos pelo osso em praça pública fazem parte da já mencionada perda do pudor político, que começou com as votações inconseqüentes na Câmara.

Mas pelo menos numa questão Lula avançou ontem. Teria finalmente dito ao ministro Aldo Rebelo que ele deixará a Coordenação Política, mas que pode continuar ministro. Ou seja, Lula entregará a Coordenação Política ao PT, que tanto lhe incomodou com isso, mas não a cabeça de Aldo na bandeja dos degolados.

Cobrança unificada

Ex-secretário da Receita Federal e ex-ministro da Fazenda, o deputado Francisco Dornelles diz que o governo deveria levar em frente o projeto de fundir numa única secretaria a arrecadação da Previdência e a dos demais tributos federais. No Canadá, diz ele, um único órgão arrecada todos os tributos, inclusive os provinciais. Aqui, estados e municípios jamais concordariam com isso mas pelo menos os tributos federais deviam ter cobrança e fiscalização unificadas em um órgão da Fazenda.

¿ Seria mais racional para o contribuinte, que uma hora recebe o fiscal da Receita e noutra o do INSS. Seria proveitoso para o Estado, que multiplicaria recursos e instrumentos de fiscalização e combate à sonegação. Mas isso não pode ser apresentado por MP, e sim por projeto de lei, para que seja devidamente discutido ¿ diz ele.

O GOVERNO esperava confiante ontem a pesquisa CNI-Ibope que será divulgada hoje. Suas próprias pesquisas indicavam estabilidade na aprovação ao governo e nos índices de popularidade de Lula.

CHEGA AMANHÃ o secretário de Defesa americano, Donald Rumsfeld, em sua primeira visita do segundo governo Bush ao Brasil.