Título: Boa chance
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 12/04/2005, O Globo, p. 2

Os últimos dois meses foram danosos à imagem da Câmara e à de seus membros: houve a emergência do baixo clero com seu discurso explicitamente corporativista, o aumento da verba de gabinete e a aprovação de matérias descomprometidas com a austeridade fiscal. Suas excelências têm esta semana uma boa chance de reconciliação com a opinião pública e o chamado espírito do tempo, se cassarem o deputado André Luiz e aprovarem o projeto que pune a prática do nepotismo.

É verdade que nove medidas provisórias travam a pauta da Câmara, mas se os deputados quiserem, poderão apreciar o pedido de cassação do colega que tentou extorquir o bicheiro Carlinhos Cachoeira. O regimento permite que, neste caso, se faça uma sessão especial. O voto é secreto e o clima por lá não sugere qualquer desejo de cortar na carne, o que reduz as possibilidades de cassação. Muitos pensam que o caso já está velho e caindo no desvão do esquecimento. Ledo engano. Os e-mails dos deputados começam a ser de novo bombardeados por mensagens cobrando o julgamento do deputado e lembrando que, desde a divulgação das gravações comprometedoras, em meados do ano passado, ele já recorreu a todos os subterfúgios para evitar o julgamento. Teve amplo direito de defesa e mesmo assim perdeu na Comissão de Constituição e Justiça e no Conselho de Ética. Agora é com seus pares, que poderão sempre se esconder sob a proteção do voto secreto, mecanismo cuja sobrevivência continua exigindo discussão. Projeto do deputado José Roberto Arruda propondo sua extinção tramita na Câmara.

A outra oportunidade de realinhamento com a opinião pública é dada pela votação, hoje na Comissão de Constituição e Justiça, do projeto de seu presidente, Antonio Carlos Biscaia, relatado por Sergio Miranda com parecer favorável. É um projeto mais duro que seus similares: proíbe a contratação de parentes em todos os poderes e nas três esferas da Federação, tipificando as violações como crime de improbidade administrativa. Se aprovado na CCJ, estará pronto para ser votado pelo plenário.

A nova malvada (II)

PFL e PSDB partiram para o ataque à MP 242 e vão argüir sua inconstitucionalidade, aqui demonstrada no domingo pelo Sergio Miranda. Mas na própria base governista já havia grandes, embora silentes, insatisfações com a primeira medida adotada pelo novo ministro da Previdência, Romero Jucá. Para além dos questionamentos constitucionais, não estão os aliados à vontade para sustentar uma medida que, a pretexto de moralizar a concessão de auxílio-saúde e aposentadoria por invalidez ¿ benefícios que de fato produziram grande aumento de gastos nos últimos dois anos ¿ subtrai e dificulta o acesso a estes direitos pelo mais pobres. Há falsos doentes mesmo encostados no INSS. Mas o que é preciso fazer é separar joio e trigo. E isso passa, essencialmente, pela melhora do sistema de perícia, a partir da troca de médicos terceirizados por peritos concursos, que, tendo carreira a zelar, serão mais rigorosos.

Viés verde

Com seus R$80 bilhões para financiar o desenvolvimento a juros indulgentes, o BNDES está disposto a adotar a cláusulas ambientais. Foi o que prometeram o presidente do banco, Guido Mantega, e o diretor Antonio Barros de Castro ao deputado estadual eco-petista Carlos Minc: melhores serão as condições de financiamento ¿ tempo maior de pagamento ou cobertura maior do total do projeto ¿ na medida em que as empresas adotarem tecnologias mais limpas, co-geração e economia de energia. No encontro da tendência majoritária do PT, no sábado, no Rio, o ministro Antonio Palocci deu apoio explícito às articulações relatadas por Minc. Agora é ver se acontece.

ANDRÉ SINGER, secretário de Imprensa da Presidência da República, informa da África que, durante o vôo do Brasil para Roma, o presidente Lula e seus convidados não trataram de qualquer tema relacionado com o Ministério Público Federal, ao contrário do que foi dito ontem aqui na coluna de Ilimar Franco, enviado especial a Roma.

O MINISTÉRIO PÚBLICO, por tudo que se tem dito de seus excessos, está na defensiva. O procurador-geral de Justiça, Marfan Vieira (Rio), propõe ao procurador-geral da República, Claudio Fonteles, a argüição de inconstitucionalidade do artigo da reforma do Judiciário que prevê a instalação do Conselho Nacional do Ministério Público, órgão fiscalizador. Alega que, introduzida no Senado, a emenda não foi objeto de nova votação pela Câmara. Isso é dispensável em se tratando de emendas de redação, mas ele acha que foi subterfúgio.

SERAFIM CORRÊA, prefeito de Manaus, informa que na quinta e sexta-feira, a Frente Nacional de Prefeitos vai discutir uma proposta coletiva para baratear o transporte coletivo, em crise nas grandes cidades brasileiras. Ela passa, inescapavelmente, pela redução da carga tributária ¿ federal, estadual e municipal ¿ que pesa sobre o setor. Para a Receita, uma heresia.

Vazar e comunicar

Em Roma, diante dos comentários sobre a regra de silêncio que pesa sobre o conclave, o secretário-particular do presidente Lula, Gilberto Carvalho, sentenciou:

¿ Se ela fosse adotada em nosso governo, poucos escapariam.

Os cardeais e os auxiliares eclesiásticos com acesso à Capela Sistina que violarem a regra poderão ser até excomungados. Gilberto referia-se aos vazamentos constantes de reuniões palacianas. Mas vazamentos acontecem mais quando há entropia no canal institucional de comunicação. Com o fim da antiga ambivalência, e André Singer funcionando como porta-voz e secretário de Imprensa, as coisas melhoraram muito por lá.