Título: E agora, Lula? Como sair do cenário de crise?
Autor: Maria Lima e Toni Marques
Fonte: O Globo, 07/06/2005, O País, p. 16

Renúncia de envolvidos e redução dos cargos de confiança seriam medidas que restaurariam credibilidade

BRASÍLIA e RIO. Analistas políticos e sociólogos consideraram ontem que o governo enfrenta seu pior momento, mas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda tem algumas saídas para reagir a essa crise, desde que tenha coragem para tomar medidas ousadas imediatamente. Um choque ético, com o afastamento de todas as pessoas da equipe que estejam sob suspeita de corrupção, e a redução drástica dos cargos de confiança são algumas das medidas apontadas. Todos concordam, entretanto, que Lula deve apoiar todo tipo de investigação e que seria uma péssima estratégia barrar a CPI dos Correios.

¿ Está muito dificil. Falou-se na limpeza ética que, num momento de crise, seria uma manobra muito arriscada. Mas hoje a situação é outra, mais complicada, e deve voltar a tese da renúncia coletiva do Ministério. No governo Fernando Henrique houve casos cabeludos na privatização, mas os ministros envolvidos renunciaram. O problema do governo Lula é diferente, é de convivência partidária, em que os três principais partidos de sustentação estão envolvidos nas denúncias ¿ afirmou o cientista político David Flescher, da UnB, acrescentando: ¿ Lula tem de dar uma grande sacudida, por exemplo, reduzindo para três mil os cargos de confiança, e os outros 40 mil preencher com os funcionários de carreira.

Amadorismo imperdoável, diz diretor do Diap

Outra forma de reagir á crise, segundo Flescher, é adotar o orçamento impositivo, evitando assim o assédio fisiológico dos aliados políticos.

¿ São medidas ousadas, que reduzem a margem de manobra do presidente, mas é uma forma de recuperar a credibilidade ¿ diz ele.

Profundo conhecedor da dinâmica parlamentar, o diretor do Departamento Intersindical de Assessoramento Parlamentar (Diap), Antônio Augusto Queiroz, diz que a CPI dos Correios é inevitável e a única saída de Lula para continuar governando é apoiar todas as investigações.

¿ A única saída é o presidente Lula promover a investigação com o apoio do Congresso Nacional, e se for comprovado o desvio de seus auxiliares, cortar na própria carne. O presidente Fernando Henrique enfrentou com sabedoria a CPI do Proer, se cercou para inviabilizar o palanque da oposição, sem inviabilizar a CPI ¿ disse Antônio Augusto.

Ele diz que, se confirmadas as denúncias feitas por Roberto Jefferson, a atuação do tesoureiro do PT, Delúbio Soares e outros operadores do PT só serviram para colocar fogo nas relações entre os aliados do governo no Congresso.

¿ O problema é que, para continuar governando, o presidente precisa de uma base em que os partidos estão se digladiando, e não tem ninguém com autoridade para pacificar. Se o Delúbio deu mesada para uns partidos e não deu para outros, isso comprova um amadorismo que, com raposas como Roberto Jefferson, é imperdoável ¿ diz Antônio Augusto.

Para a cientista política Lucia Hippolito, a entrevista do deputado Roberto Jefferson puxa para o governo a imagem do presidente Lula, que até então gozava de uma popularidade maior e melhor do que a percepção da opinião pública quanto aos atos de sua administração. E isto acontece porque, segundo ela, porque Lula está colhendo o que plantou antes mesmo da sua posse, montando sua base com partidos fisiológicos.

¿ Sendo verdade ou não o que disse o deputado, o fato é que Lula colou no que é pior na política: o fisiologismo. Sua imagem agora está associada à ineficiência, à ineficácia. Está sobrando companheiro e faltando conselheiro em torno do presidente ¿ diz ela.

Para o professor Fábio Wanderley Reis, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, a crise provocada pela denúncia de Roberto Jefferson é um desdobramento do caso Waldomiro Diniz e da eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara.

¿ Há uma certa soberba do PT que tem a ver com a história do partido, que se acha inatacável. Não diria que o PT está mais ou menos propenso à corrupção, mas sim que existe uma inépcia política. O partido e governo deixam de agir quando é mais necessário ¿ diz ele.

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