Título: 'Camarada de armas' diz que não será só técnica
Autor: Monica Tavares e Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 22/06/2005, O País, p. 5

Com o passado de guerrilheira destacado por Dirceu, Dilma assume Casa Civil e afirma que também fará política

BRASÍLIA. A nova chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, demarcou seu território e imprimiu sua forma de comandar já no discurso de posse. Embora sua escolha tenha indicado a intenção do presidente Lula de dar perfil eminentemente técnico à Casa Civil, ela deixou bem claro para os cerca de 500 convidados que foram ao Palácio do Planalto ontem que seu trabalho não ficará restrito à gestão de projetos. A função tem também seu lado político, disse ela:

- A (função) é política no sentido mais nobre, o da capacidade de realizar um projeto nacional de desenvolvimento sustentado, de inclusão da população no desenvolvimento. Todos que vêem na gestão um trabalho eminentemente técnico não percebem que é da vontade dos homens que emerge uma nova sociedade.

Primeira mulher a assumir a Casa Civil, Dilma foi chamada de "camarada de armas" pelo amigo e antecessor José Dirceu e devolveu o elogio chamando-o de "companheiro e amigo".

Criticada por parlamentares do PT e da base pela falta de flexibilidade no diálogo com os parlamentares, a nova ministra adotou um tom mais diplomático ontem em relação ao Congresso, onde fez algumas inimizades no passado.

Lula foi mas não deu uma palavra

Às vésperas de uma reforma ministerial, os ministros compareceram em peso à cerimônia, realizada no Salão Nobre do Planalto com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não discursou, do vice José Alencar e dos presidentes da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE) e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Mais tarde, em entrevista, Dilma repetiu o que será seu trabalho na Casa Civil:

- Meu departamento é gestão de política pública. Os programas têm que ter relação com os governadores e com a coordenação política. É uma gestão técnico-política - disse.

Ao mesmo tempo, a nova ministra destacou seu bom relacionamento com o Congresso. Ela contou que sua relação com os parlamentares foi muito produtiva nos últimos anos, citando a tramitação e discussão do modelo do setor elétrico. A proposta do Executivo recebeu 800 emendas na Câmara e pouco mais de cem no Senado.

- Todas as instituições passaram por um processo de amadurecimento nesses anos de democracia. Acredito que é perfeitamente possível conjugar uma tramitação adequada dos projetos com as investigações da CPI - disse ela.

Em seu discurso, Dilma também mencionou o Legislativo:

- Acredito na importância da integração com o Parlamento, sem a qual não há, de fato, os princípios da democracia.

Para Dilma, é um desafio da maturidade do Brasil ser capaz de ter uma atividade democrática e institucional com a atividade executiva política, que é a tramitação dos projetos.

- Não vejo razão para fazer essa suposição de paralisia do Congresso, seria subestimar o nosso Congresso - ressaltou.

Lembranças da luta armada

A ministra também falou sobre seu passado de combate ao regime militar. Ela lembrou que a guerrilha ocorreu em 1970 e destacou que a população sabe qual o custo de uma ditadura.

- Nenhum de nós que passou por isso pode deixar de avaliar o valor fundamental da democracia, o valor fundamental de poder ter posições e externá-las em ambientes que não te leve a prisão ou não te conduza ao exílio ou à morte.

Já José Dirceu foi aplaudido demoradamente e de pé quando começou a discursar. Encerrado seu pronunciamento, o ex-ministro cumprimentou Dilma com um forte abraço. Lula também cumprimentou, sorridente, a nova chefe da Casa Civil.

Fiel a seu estilo rigoroso, Dilma trabalhou até o último momento no Ministério de Minas e Energia. Na segunda-feira, após ser anunciada pelo porta-voz da Presidência para a chefia da Casa Civil, ela voltou para para o ministério e ficou trabalhando até quase meia-noite. Aos poucos, um a um, secretários e assessores deixavam o prédio e as luzes do 8º andar continuavam acesas. A cena é comum desde que ela assumiu, no início de 2003.

Já nomeada pelo Diário Oficial da União como chefe da Casa Civil, Dilma passou toda a manhã de ontem no Ministério de Minas e Energia. No início da tarde, por volta das 14h, ainda teve tempo de presidir a reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, órgão que faz o acompanhamento da situação de abastecimento de energia no país.

Legenda da foto: DILMA DISCURSA, observada por Nelson Jobim, Alencar, Lula, Dirceu, Renan e Severino: "O meu departamento é gestão de política pública"