Título: CRISE CONSTRANGE E DESILUDE PETISTAS HISTÓRICOS
Autor: Maria Lima
Fonte: O Globo, 26/06/2005, O País, p. 8

Para alguns fundadores do partido, PT errou ao fazer alianças obscuras e tentar impedir CPI

SÃO PAULO e RIO. A crise que atinge o PT e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva escancarou uma realidade política que está constrangendo fundadores, intelectuais e petistas próximos ao presidente. Mesmo sem a comprovação das denúncias de corrupção, eles avaliam que o partido deturpou a chamada "moral leninista" da esquerda ao acertar alianças obscuras, tentar impedir uma CPI e lotear cargos. Além disso, a sombra da fraude divide os petistas: para alguns, seria uma tentativa de golpe branco. Para outros, a destruição da bandeira da ética.

- As alianças seriam para uma coalizão de forças, mas o PT não quis dividir poder. Teria que fazer a divisão com luz acesa, mas quis a escuridão. Deu alguns ministérios, mas ficou com os cargos de segundo escalão. É um modelo de ingovernabilidade. E foi um processo espúrio. Pensaram que os fins justificariam os meios numa degeneração da moral leninista - diz o advogado Airton Soares, primeiro deputado do extinto MDB a deixar seu partido para fundar o PT, em 1979, citando a máxima de Maquiavel.

Vladimir Lênin, um dos inspiradores do petismo, disse, em 1920, que revolucionários precisavam saber combinar as formas legais e as ilegais de luta.

- A cúpula petista se julgou protegida pela moral leninista, num mundo fragmentado como o Congresso. Foram cargos, emendas e migração em massa de deputados para a base. Com ou sem mensalão, o PT paga o preço de uma ilusão adolescente - diz o cientista político e consultor Amaury de Souza.

Outro desabafo é feito pelo ex-assessor de Imprensa de Lula Ricardo Kotscho, que escreveu o artigo "Navegar é preciso", no site NoMínimo, logo após o ato de desagravo ao PT em São Paulo: "A enxurrada de denúncias de corrupção de todos os tipos e em todas as latitudes bateu fundo na alma daquelas pessoas que passaram a vida acreditando num sonho e agora viam ameaçado seu projeto de futuro", diz o texto.

Um projeto que, há muito tempo, já era bem diferente do que sonharam os fundadores do PT, analisa o historiador Daniel Aarão Reis Filho, um dos signatários do manifesto que deu origem ao partido. Daniel afastou-se do PT em março.

- O PT sofreu uma mudança de pele nos anos 90. Não quero fazer de Lula um bode expiatório, mas ele representou essa orientação de buscar um atalho para chegar ao poder. Com isso, o PT abdicou de seus aspectos essenciais. Se mantivesse sua identidade, talvez Lula não chegasse à Presidência. Mas um partido não pode abrir mão de seus valores, mesmo que precise ficar na oposição.

Aos trancos e barrancos, a alma petista tenta resistir às tempestades. É o que expõe outro petista histórico, o amigo de Lula Juno Rodrigues Silva, o Gijo:

- A mídia e a oposição não querem um operário no poder. O PT não se corrompe, jamais. Querem nos destruir.

O estudante Marcelo Barbosa Soares, que se filiou ao PT do Rio há menos de um mês, tem pensamento parecido:

- A proximidade da reeleição assustou a direita, que reagiu desta forma atirando acusações para todos os lados. O importante é tirar daí uma lição: por melhor que seja a intenção, não se pode fazer parceria com qualquer um em nome deste objetivo - diz ele.

Já o ex-deputado Djalma Bom, fundador do PT e da CUT e um dos mais antigos amigos de Lula, tem opinião diferente:

- Quem teve a bandeira da ética não pode ir contra CPIs. Na tese da governabilidade, o PT fez acordo com Deus e o diabo. Foi Lula quem deu um cheque em branco a Roberto Jefferson. O PT? O PT já era!

O historiador Jacob Gorender se decepcionou tanto que até deixou o PT:

- Não digo que Lula esteja envolvido em maracutaias, mas um dirigente tem obrigação de escolher bem seus colaboradores. Esta é a grande arte da política - afirma ele.

COLABOROU Ricardo Galhardo