Título: Depoimento de Jefferson virou 'catarse política'
Autor: Maria Lima
Fonte: O Globo, 02/07/2005, O País, p. 10

Sessão que começou tensa por causa da intimidação acabou em camaradagem; deputado chegou a ameaçar colegas

BRASÍLIA. Não se sabe se por causa do cansaço, mas aconteceu de tudo no final do depoimento de mais de dez horas do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) na CPI dos Correios. O clima, que começou tenso por causa da intimidação de alguns deputados, terminou numa camaradagem só, com piadinhas, gargalhadas, tapinhas nas costas, elogios e abraços afetuosos até de governistas.

Já era madrugada alta quando, exaustos, os pouco mais de 15 deputados e senadores que resistiram no local se armaram de paciência para ouvir a intervenção do senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Ele prometeu ser breve. Ninguém acreditou. Mas logo depois de ler suas 23 perguntas acordou os companheiros com seu discurso peculiar.

Suplicy: pergunta que todos queriam, mas tinham medo

Enquanto uma enfermeira se desdobrava para fazer curativos no depoente que estava com o olho roxo e muito machucado, ele fez a pergunta que todos gostariam de fazer, mas não tiveram coragem :

- Deputado Roberto Jefferson, desculpe, mas tenho que perguntar, as pessoas estão ligando para eu fazer essa pergunta. Isso aí no seu rosto foi um acidente doméstico mesmo? Como o senhor atualmente tem muitos inimigos, acham que levou um soco... - disse Suplicy sem conter ele mesmo o riso.

- E a principal suspeita é a deputada Laura Carneiro - brincou o senador Heráclito Fortes(PFL-PI), lembrando que a correligionária estava na cena do acidente.

- Não senador, não foi soco não, foi tombo mesmo! Fui pegar os discos do Lupicínio Rodrigues, me desequilibrei na escada e me agarrei numa estante enorme, que caiu em cima de mim... - respondeu o depoente, igualmente fazendo graça de seu olho roxo.

- A grande curiosidade nacional é: qual era a música? - emendou Heráclito.

- Nervos de aço - respondeu Jefferson, desafogando toda a tensão do depoimento numa sonora gargalhada, levantando-se em seguida para receber os cumprimentos e cochichos ao pé do ouvido.

Suplicy, que chamava a ex-juíza carioca de Denise "Brossard" (PPS-RJ), ainda aproveitou a madrugada para fazer as pazes com Roberto Jefferson, depois de um gelo de 13 anos e até ameaça de uns bofetes. O depoente o acusa de ser um dos responsáveis por todo o preconceito que carrega da opinião pública desde que, na CPI do PC, foi acusado por ele de receber do tesoureiro R$1 milhão para defender Collor.

- Aquilo pesou. Fez uma imagem que nunca consegui apagar. Lutei contra isso a vida inteira - reclamou Jefferson, dizendo que já tinha perdoado Suplicy.

Com a deputada Denise Frossard, Jefferson também trocou amabilidades. O deputado disse que gostaria que sua filha Cristiane Brasil, que se elegeu vereadora na última eleição, tivesse sido juíza, como a deputada. Ele lembrou que ela estava no segundo ano da escola da magistratura e disse também que Cristiane havia sido aluna da juíza. A deputada elogiou Jefferson:

- Reitero que o senhor foi corajosíssimo. Não é fácil vir aqui vociferar na frente de todo mundo - disse Denise.

- Quero estar do lado de vossa excelência nas eleições do ano que vem para governadora do Rio - afirmou o deputado, prometendo apoio à juíza.

Heloísa: "Como a paixão me cegou durante tanto tempo?"

Já a senadora Heloísa Helena (P-Sol-AL) fez um desabafo sobre sua decepção com antigos companheiros petistas.

- Deus do céu! Como a paixão me cegou durante tanto tempo? Estamos vendo agora o mesmo balcão de negócios sujos que condenávamos na era FH. A partilha do estado não poderia ter sido entregue a essas gangues! - desabafou a senadora.

- Essa sessão virou uma catarse política - brincou o presidente Delcídio Amaral (PT-MS).

O senador Pedro Simon (PMDB-RS) também tropeçou nos nomes e trocou Lula por Fernando Henrique.

- Dois anos antes todos já sabíamos tudo sobre o ministro Jucá, porque Fernando Henrique o nomeou? - protestava Simon.

- Fernando Henrique não, Lula - gritaram alguns.

- Eu falei Fernando Henrique? Meu Deus, espero que não seja uma praga para ele voltar ....

No auge da inquirição, porém, ameaças e insolência

Mas o clima não foi esse o tempo todo. No auge da inquirição, quando os governistas ensaiaram uma reação aos ataques ao ex-ministro José Dirceu (PT-SP) e aos dirigentes do PT, Jefferson chegou a tripudiar de alguns, em tom ameaçador. Encarou especialmente o deputado Jorge Bittar(PT-RJ), ex-aliado do petebista no Rio de Janeiro.

- Estou te esperando! Estou te esperando! - disse olhando para Bittar, em uma de suas intervenções, que no final se tornou uma pálida tentativa de reação.

Com a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), a mais irada da tropa governista, foi igualmente insolente.

- O senhor me responda à medida que eu for perguntando - exigiu Ideli, em tom imperativo.

- Não vou responder não! - devolveu o petebista, constrangendo a senadora.

Por volta da meia-noite Ideli se despediu para ir para casa. Dez minutos depois, voltou carregada de documentos.

- Me mandaram voltar... - disse, entregando os documentos para o senador Suplicy, a quem coube a tarefa de relatar as medidas de combate à corrupção que o presidente Lula havia editado naquela tarde.

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"As pessoas estão ligando para eu fazer essa pergunta. Isso aí no seu rosto foi um acidente doméstico?"

EDUARDO SUPLICY, Senador (PT-SP)

"Reitero que o senhor foi corajosíssimo. Não é fácil vir aqui vociferar na frente de todo mundo"

DENISE FROSSARD, Deputada (PPS-RJ)

Legenda da foto: JEFFERSON CUMPRIMENTA Suplicy: mágoa por acusação de petista de ter sido pago para defender Collor