Título: O TEATRO E A CRISE
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 07/07/2005, O Globo, p. 2

O depoimento de Marcos Valério à CPI dos Correios não fez avançar as investigações, não trouxe esclarecimentos importantes, muito pelo contrário, semeou mais perplexidades. Na avaliação da oposição, ele mentiu descaradamente, confiando na blindagem de um hábeas-corpus obtido para evitar eventual prisão preventiva, e numa estratégia de defesa muito bem calculada.

Um mundo de dúvidas e perguntas sem respostas continuou pairando ontem, e o resultado disso é o prolongamento e o aprofundamento da crise, para o mal do país. Se a economia segue ilesa, permitindo até a discussão de uma inflexão tão séria como a adoção da meta de déficit nominal zero, já se diz que as intenções de investimento foram atingidas e paralisadas.

Valério não explicou seus estranhos saques em dinheiro vivo nem o aporte de recursos que, segundo documento do Coaf, excedem o valor de seus contratos com órgãos públicos, alegando que eles hoje respondem por apenas 20% de seu faturamento, fortalecido pela ampliação de clientes privados. Reiteradamente insistiu que as respostas serão encontradas em documentos contábeis que não haviam ainda sido analisados pela CPI, que também só na véspera recebeu o documento do Coaf. Talvez a hora do depoimento ainda não estivesse madura. Admitiu a proximidade com Delúbio Soares e o aval ao PT mas com fria tranqüilidade negou ser o pagante do mensalão, do qual nunca teria ouvido falar, e que seja o operador financeiro do partido, como supõe a oposição. Seu laconismo, suas respostas curtas e sua humildade ao responder aos parlamentares diferem fundamentalmente do comportamento geral dos que se sentam à frente de uma CPI. Estranhamente não se muniu de documentos que poderia ter levado para comprovar suas afirmações, como, por exemplo, o contrato de renovação do empréstimo do PT junto ao BMG em que já não mais figuraria como avalista. Até o início da noite, Valério continuava sendo mais um enigma do que uma resposta.

¿ Vamos cansá-lo até de madrugada, dobrar sua resistência tecnicamente planejada ¿ dizia o deputado tucano Eduardo Paes ao fim do dia.

Se a esfinge não moveu a cabeça nem piscou os olhos, o PT persistiu na estratégia de vincular suas agências a outros partidos e governos, em particular aos tucanos, mas nem com isso ele colaborou. Fez questão de apontar como corretos e normais seus contratos com o governo de Minas, desde os tempos em que o senador Azeredo, cuja honra fez questão de defender, era governador.

Não colaborou também com os petistas no esforço para identificar a mão misteriosa do empresário Daniel Dantas no enredo. Não se deu muito atenção à estranha história de uma primeira entrevista da ex-secretária Fernanda Karina à revista ¿IstoÉ¿, que depois não chegou a ser publicada, ainda no ano passado. Negou peremptoriamente uma remessa vultosa para o exterior, que o senador Álvaro Dias diz ter sido identificada, podendo ser comprovada pela CPI do Banestado.

Se mentiu tanto como supõem os membros da CPI, será desmascarado. Os documentos vão aparecer. O país ainda se defrontará novamente com este personagem na CPI dos Correios e também na CPI do Mensalão, que deve começar a funcionar em agosto.

Enquanto isso, a crise paira sobre a paisagem cada vez mais sombria