Título: ARGENTINA RESTRINGE IMPORTAÇÕES
Autor: Janaína Figueiredo/Vagner Ricardo
Fonte: O Globo, 08/07/2005, Economia, p. 27

Compra de 1,8 mil produtos deve ser à vista, o que prejudica o Brasil

BUENOS AIRES e RIO. Em meio às negociações entre Brasil e Argentina para incluir no Mercosul mecanismos que equilibrem o comércio e o fluxo de investimentos na região, o governo do presidente Néstor Kirchner adotou uma polêmica medida que prejudicará as vendas brasileiras ao mercado argentino e já provocou reação por parte dos negociadores do governo Lula. A resolução "A" 4.372, adotada em 23 de junho passado pelo Banco Central da Argentina (BCRA), exige o pagamento à vista para 1,8 mil bens de consumo importados, lista que inclui produtos como calçados, têxteis, eletrodomésticos, automóveis, papel, café e frutas tropicais, que representam grande parte das vendas brasileiras para a Argentina.

Ontem, o governo brasileiro questionou a medida durante um encontro entre o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Marcio Fortes de Almeida, e o secretário da Indústria argentino, Miguel Peirano, na sede do BNDES, no Rio. Os dois negociadores discutiram, ainda, a aplicação de cotas às vendas de calçados e toalhas brasileiras ao mercado argentino. Atualmente estão em vigência acordos que limitam as exportações de fogões, geladeiras, máquinas de lavar e televisores brasileiros para a Argentina.

- Comunicamos nossa preocupação aos representantes argentinos e ficou acertado que os dois lados vão acompanhar os efeitos da medida do Banco Central argentino. Mais à frente, vamos conversar com as autoridades do Ministério da Economia - disse Márcio Fortes.

A nova regra do BCRA também foi duramente criticada pela Câmara de Importadores da Argentina (Cira), que exigiu a anulação da medida ao governo Kirchner.

- Os mais afetados serão os pequenos e médios empresários. Antes da medida, os importadores tinham prazos de até 180 dias para saldar suas dívidas com o exportador, hoje esse crédito desapareceu - explicou o presidente da Cira, Diego Pérez Santisteban. Segundo ele, trata-se de uma medida política "pois Kirchner está buscando o apoio dos empresários locais nas próximas eleições legislativas de outubro".

No governo Menem, Brasil adotou medida semelhante

A medida adotada pela Argentina é similar a uma implementada pelo Brasil em 1997. No entanto, na época, após forte pressão do governo do Menem, o Brasil abriu uma exceção para os parceiros do Mercosul, que só deviam cumprir as novas regras para importações acima de US$40 mil. Já a medida implementada pelo governo não prevê isenção para as importações de valores pequenos. Para o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, a decisão do BCRA pode afetar os setores menos capitalizados ou de varejo argentinos.

O argumento utilizado pelo governo Kirchner para ampliar sua ofensiva protecionista teve como eixo a necessidade de manter a cotação do dólar entre 2,90 e 3 pesos. Segundo as autoridades argentinas, os dólares que os importadores injetarão no mercado local ajudarão o governo em sua cruzada para evitar que a cotação da moeda americana fique abaixo do patamar considerado ideal pelo ministro da Economia, Roberto Lavagna. A explicação oficial, porém, não convenceu os importadores locais.

- Fizemos um cálculo do montante que seria destinado pelos importadores à compra de dólares e o valor não superaria os US$20 milhões diários. Esse montante não teria a menor influência na cotação do dólar. A medida é política, não econômica - enfatizou o presidente da Cira.