Título: Fundos de pensão na mira das investigações
Autor: José Casado
Fonte: O Globo, 10/07/2005, O País, p. 10

CPI dos Correios vai examinar negócios suspeitos das instituições, que têm ações das 200 maiores empresas do país

BRASÍLIA. O uso político dos fundos de pensão das empresas estatais é o novo alvo das investigações do Congresso. Juntos, eles possuem um patrimônio avaliado em R$230 bilhões ¿ quase US$100 bilhões ¿ com participação no controle acionário das 200 maiores empresas do país. Integrantes da CPI dos Correios passaram a concentrar a atenção em três aspectos das operações dessas instituições:

1) Negócios considerados suspeitos na compra e venda de ações de indústrias e bancos privados, com alta taxa de lucratividade para corretores;

2) Financiamento de campanhas eleitorais por empresas nas quais os fundos, como acionistas, têm representantes com poder de influência administrativa;

3) Ocupação por integrantes do PT e aliados do governo nos postos de comando das maiores fundações estatais e, também, das áreas-chave do sistema de fiscalização dessas entidades de previdência.

CPI investiga Gushiken e Dirceu

No centro da investigação estão Luiz Gushiken, ministro da Secretaria de Comunicação de Governo (Secom), e José Dirceu, deputado federal e ex-ministro da Casa Civil. A ambos são atribuídas indicações de aliados políticos para diretorias de fundos de pensão estatais.

Antes de assumir o ministério, Gushiken era sócio de uma empresa especializada em assessoria a fundos de previdência ¿ a Gushiken e Associados. O ministro saiu do quadro de sócios em 2002, a empresa passou a se chamar Globalprev e, apenas no primeiro ano do governo Lula, seu faturamento com empresas estatais e sindicatos aumentou em 595,36%.

Na Casa Civil, Dirceu participou de todas as nomeações. Alguns de seus assessores, como Marcelo Sereno, atual secretário de Comunicação do PT, indicaram aliados para cargos em fundações. Foi o caso da Real Grandeza, caixa de previdência dos funcionários de Furnas Centrais Elétricas e Eletrobrás Termonuclear, cujos ativos financeiros ultrapassam R$4,8 bilhões.

¿Tema com muita musculatura¿

Gushiken, Dirceu e diretores dos maiores fundos de pensão estatais, entre eles Previ, do Banco do Brasil; Funcef, da Caixa Econômica Federal; Petros, da Petrobras; e Postalis, da Empresa Brasileira de Correios, devem ser convocados para depor na CPI dos Correios.

¿ Pode ter certeza: esse é um tema que vai crescer muito nas próximas semanas ¿ comenta o presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio do Amaral (PT-MS) ¿ O pessoal aqui está se dedicando muito a isso. É um tema, digamos, com muita musculatura.

Os partidos da oposição já informaram ao presidente da CPI que começaram a avançar na investigação das supostas ligações entre fundações estatais, partidos políticos e caixa de campanha eleitoral. Para diluir a pressão governista no plenário da CPI, PFL e PSDB adotaram a tática de apresentar, primeiro, requerimentos de audiência dos envolvidos em diferentes comissões do Congresso.

O deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS) e o senador Jefferson Peres (PDT-AM) abordaram o tema numa sessão pública da comissão parlamentar de inquérito, há uma semana, durante o depoimento do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ).

¿ Na resposta, ele deixou claro que sabia da existência de um operador que faz a ligação entre os fundos e a formação de caixa dois ¿ observa o senador José Jorge (PFL-PE).

A bancada oposicionista na CPI já recebeu informações e documentos sobre a evolução da carteira de investimentos em ações da Previ durante o ano eleitoral de 2002. Ela registrou um crescimento abrupto ¿ de R$1,6 bilhão em 2001 para mais de R$5,9 bilhões ¿ a partir de uma ¿reavaliação de ativos¿ do fundo do Banco do Brasil na Companhia Vale do Rio Doce. A Previ integra o consórcio Litel, que compõe o controle acionário da Vale. Até então, sua parte na Litel estava avaliada em cerca de R$300 milhões.

Durante a campanha, o então diretor de Participações da Previ, Sérgio Ricardo Silva Rosa (atual presidente), enviou carta aos representantes da fundação nos conselhos administrativos das cem maiores empresas nas quais a entidade detém participação acionária relevante. Na carta, Rosa apresentou-lhes uma cartilha do Instituto Ethos com o título ¿A responsabilidade social das empresas no processo eleitoral¿.

E escreveu:

¿Após apreciação do material enviado, solicitamos que nos seja repassada a informação de como o assunto está sendo abordado na empresa em que nos representa, se está pautado para debate e qual o posicionamento adotado quanto à participação efetiva no processo (eleitoral). Ao mesmo tempo, estamos abertos a receber sugestões e considerações de como aperfeiçoar nosso encaminhamento sobre o assunto¿.

Generosidade com petistas

Parlamentares estranham o pedido, que consideram dúbio, e a convocação aos conselheiros das empresas para enviar ao fundo ¿sugestões e considerações de como aperfeiçoar nosso encaminhamento¿ sobre a efetiva participação das empresas no processo eleitoral. No governo Lula, Rosa foi nomeado presidente da Previ. Procurado sexta-feira, não se manifestou.

Registros do TSE indicam que candidatos do PT destacaram-se entre os principais beneficiários de doações financeiras realizadas pelas maiores empresas privadas nas quais a Previ tem influência acionária relevante.

O domínio do PT no comando dos fundos foi ampliado na gestão Lula. Até 2002, o governo nomeava metade da diretoria e os sindicatos ligados à CUT venciam eleições para a indicação da outra metade. Com a posse de Lula, o que era paritário ficou único: todos os administradores passaram a ter a mesma origem, com óbvio crescimento do PT.

A CPI começou a investigar também operações realizadas nos últimos 12 meses entre fundos estatais (Previ, Funcef e Petros) e bancos como o Rural e o BMG, que concederam empréstimos ao PT, o Mercantil do Brasil, o Panamericano, e o Banco Santos, agora sob intervenção federal. Há indícios de que parte delas teria sido feita com triangulação ¿ beneficiando intermediários ligados ao governo e a partidos aliados.