Título: Nasce um sobrevivente
Autor: Ruben Berta
Fonte: O Globo, 10/07/2005, O Globo/Caderno Especial, p. 1

Maiara dá à luz um menino saudável, com quase quatro quilos; ela, que pensou até em aborto, não fez sequer exame pré-natal

Depois desta história, seria no mínimo improvável acreditar no capítulo final, que aconteceu às 13h19m da segunda-feira passada, 4 de julho de 2005, na Maternidade da Praça Quinze, no Centro do Rio. As primeiras contrações começaram às 4h, quando Maiara estava no barraco da mãe, Vicentina, na Favela do Arará. Sentindo-se já experiente no assunto, a jovem mãe de segunda viagem resolveu esperar até a dor realmente aumentar para pegar um ônibus e ir com Ana Paula até a Praça Niterói, na Tijuca. De lá, as duas seguiram de táxi até a maternidade da prefeitura, onde chegaram às 12h. Pouco mais de uma hora depois, de parto normal, nascia um menino: grande e saudável, com 3,720 quilos e 54 centímetros.

Um outro olhar no passado torna ainda mais irreal a existência deste dia 4 de julho na vida de Maiara. Assim que soube que estava grávida, ela teve como primeira reação a vontade de tirar o filho. Só o salvaram a possibilidade e o pressentimento de que em pouco menos de nove meses nascesse uma menina:

¿ Um outro menino, não quero mais não. A possibilidade de virar bandido é muito grande.

Em todos os nove meses, não houve um exame sequer, uma consulta de pré-natal, uma ultra-sonografia. Em maio, Maiara passou mal e teve de ser levada por colegas às pressas da Praça Niterói até o Hospital Pedro Ernesto, ali perto, por causa de um forte enjôo. O médico chegou a pedir exames, mas passaram-se semanas e sempre falavam mais alto a preguiça e a convicção de que não era preciso.

No dia-a-dia, era só olhar para o lado e ver as amigas, que também seguiram o mesmo rumo na gravidez, agora com os filhos brincando na praça, para Maiara ter certeza de vez que o melhor era contar com a sorte. Dois dias antes de ter o bebê, ela foi passear num sítio em Cabuçu, localidade de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Saiu às 10h30m da Favela do Arará: pegou um ônibus, trem, outro ônibus e a jovem fumante ainda andou cinco quilômetros a pé até chegar às 14h ao sítio do conhecido de uma amiga.

¿ Para pegar frutas ¿ explica.

Nos minutos que antecederam o parto, Maiara não se conteve mais. Gritou e o médico disse que o filho, bebê chorão, já nascia seguindo os mesmos passos da mãe. Pouco mais de três anos antes, no nascimento do primeiro filho na mesma Maternidade da Praça Quinze, outro médico brincalhão já tinha, sem querer, previsto o futuro diante do desprezo de Maiara.

¿ Ele disse: ¿Te vejo aqui de novo em breve¿ ¿ conta a jovem.

Enquanto Maiara ainda estava na maternidade, na última terça-feira, a companheira Ana Paula trouxe a notícia de que a mãe de Maiara, dona Vicentina, havia perdido o barraco na Favela do Arará. Ana Paula dormiu na rua com o primeiro filho de Maiara, de 3 anos.

Quando saiu da Praça Quinze na quarta-feira, Maiara recebeu a notícia de que Diana, outra amiga fiel, estava cedendo seu barraco no Arará para a mãe ficar nos primeiros dias com o pequeno rebento.

No sábado antes do parto, Maiara tinha dito que não tinha mais esperança de mudar de vida. Na terça-feira, na maternidade, respondeu à pergunta sobre seu futuro com uma cara feia. O filho recém-nascido, por enquanto, só grita. Quem está por perto, ouve.l