Título: Uma falsa liberdade
Autor: Ruben Berta
Fonte: O Globo, 10/07/2005, O Globo/Caderno Especial, p. 1

Aos 14 anos, Maiara foge do abrigo e vai viver nas ruas, onde comanda invasões, rouba, é detida e engravida duas vezes

A liberdade conquistada após a fuga do Orfanato Santa Rita de Cássia naquele agosto de 2001 não parecia suficiente para a jovem Maiara Vasconcelos Ferreira, de 14 anos, começar a nova vida do outro lado do muro. Era preciso apagar o passado. Apesar de manter o nome, uma de suas primeiras iniciativas foi criar um personagem que logo apresentou aos primeiros amigos: a Presidente da Bahia. O apelido, que até hoje é lembrado pelos colegas daquela época, é uma referência ao drama inventado por ela para explicar a chegada repentina ao grupo que perambulava pelas ruas da Zona Norte do Rio.

¿ Eu disse que tinha chegado dentro de uma mala num ônibus em que minha mãe tinha me colocado lá na Bahia e que não conhecia nada no Rio ¿ conta Maiara.

O principal objetivo da história, como ela mesma admite hoje, era evitar que os amigos soubessem que sua mãe estava por perto. Vicentina não raramente circulava pelos mesmos locais dos novos colegas de Maiara na rua, vendendo doces. A mentira durou até um encontro cara a cara no Maracanã, um ano após a fuga do orfanato. Maiara tentou disfarçar, chamando a mãe de tia, mas teve de revelar o verdadeiro passado aos amigos.

O encontro com a mãe, no entanto, não significou uma aproximação. Maiara não queria voltar atrás e foi ela quem comandou a primeira das três invasões que seu grupo fez a casarões abandonados na cidade. No Méier, foi a própria quem quebrou o cadeado para os mais de 30 menores tomarem o espaço. Entre os períodos nas ruas da Tijuca e do Maracanã, mais dois prédios abandonados foram invadidos: um no Engenho Novo e outro no Alto da Boa Vista.

Na época em que estava no casarão do Méier, Maiara conheceu Cássio Lourenço de Oliveira, menor de rua, também de 14 anos. De um relacionamento rápido, surgiu logo o fruto: o primeiro filho, nascido em 8 de junho de 2002, quando a mãe mal acabara de completar 15 anos. O primeiro mês do bebê foi passado nas ruas até a ida para um abrigo em Nova Iguaçu, onde ela não passou mais de quatro meses até voltar para a antiga rotina.

Sem ter noção do que é rua, como ela mesma diz, Maiara começou a sobreviver pedindo esmolas, mas logo entrou numa rotina de pequenos furtos e roubos. No início de 2004, foi detida por arrancar o cordão de uma senhora na Tijuca e acabou internada no Educandário Santos Dumont, um abrigo do estado para menores infratoras. Depois de um mês, foi transferida para o Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor (Criam) de Ricardo de Albuquerque, de onde fugiu.

¿ Não podia ficar presa com o filho pequeno do lado de fora ¿ justifica Maiara.

A etapa fora-da-lei durou até outubro de 2004, última vez em que foi detida. Da 2ª Vara da Infância e da Juventude, recebeu como última pena uma advertência verbal por furtar de uma loja de departamentos em Copacabana potes de creme de barbear, loção e um pote de tinta para os cabelos.

Desde que chegou à conclusão de que o caminho do crime não a levaria longe, Maiara repete a história da mãe: sua principal fonte de sustento é a venda de doces nas ruas da Tijuca. Em meados do ano passado, ela conheceu no Maracanã Douglas da Silva Ferreira, então com 17 anos, recém-saído de uma internação no Instituto Padre Severino por participação num assalto. No início de novembro de 2004, descobriu que estava grávida novamente.l