Título: A MORTE DA ESPERANÇA
Autor: DENIS LERRER ROSENFIELD
Fonte: O Globo, 11/07/2005, Opinião, p. 7

Talvez um dos aspectos mais relevantes do processo de corrupção que atinge o PT e o governo federal resida na morte da esperança. No momento em que a ¿ética na política¿ como bandeira partidária foi atingida, todo um mundo ruiu, o mundo da moralidade pública, o que estruturava o imaginário petista e soldava a aderência dos militantes ao seu partido e aos seus ideais. Os eleitores, ao longo de vários anos, acostumaram-se a identificar o PT à moralidade, como se a luta por um novo Brasil fosse simplesmente a luta pela conduta de um partido moralmente puro ao poder.

Quando as primeiras denúncias surgiram, elas ¿colavam¿ dificilmente ao PT, pois havia uma certa aura que fornecia uma blindagem eficaz. Celso Daniel foi assassinado, a situação foi e é particularmente escabrosa. Tudo, então, foi feito, porém, para ¿descolar¿ o partido e seus membros do acontecido. Os protestos foram múltiplos, mas, fato grave, o partido da moralidade já mostrava o seu pouco compromisso com a ética. No episódio Waldomiro Diniz, quando foram comprovadas suas estreitas relações com um bicheiro, a reação foi a mesma, a de abafar o caso, com a obstaculização, inclusive, de uma CPI, agora autorizada pelo STF. Aqui a cola começava a não aderir. No entanto, o então ministro José Dirceu, já tendo o seu nome insistentemente citado pela mídia, foi objeto de uma festa de desagravo. Era um crime de lesa-majestade implicar o PT com a corrupção. Agora, já não houve festa, nem desagravo.

A questão, no entanto, é que a esperança também partiu. E não partiu por uma manobra qualquer da oposição, que foi pega de surpresa. Ela se tornou espectadora de um espetáculo que lhe favorece. As teses estapafúrdias de um ¿golpe¿ em curso, de uma ação concertada das ¿elites conservadoras¿ ou de uma orquestração da ¿direita¿ não resistem a uma mínima análise objetiva. Os problemas surgiram entre os partidos aliados e não tiveram o PSDB ou o PFL como causa. A política macroeconômica, por exemplo, tem beneficiado as ¿elites¿ que o PT diz combater. Só se essas elites fossem masoquistas, tramariam a queda de um governo que lhes beneficia diretamente. Elites conservadoras como as representadas pelos senadores José Sarney e Renan Calheiros são os mais firmes suportes do governo. Se há golpe, é o de o PT ter renegado suas bandeiras históricas e, entre elas, a mais preciosa, a da ¿ética na política¿.

A imprensa e a mídia foram as grandes protagonistas dessa história. Graças a uma imprensa livre, em que vige a competição e uma economia de mercado, os fatos puderam aparecer e ser desvendados. Se a opção autoritária do Conselho Federal de Jornalismo e da Ancinav tivesse vencido, a situação seria hoje provavelmente outra, com tudo sendo abafado. Entende-se agora melhor o porquê dessas iniciativas que afrontaram tão diretamente a liberdade. A PF, o MP e as Comissões do Congresso vieram a reboque de uma investigação conduzida por revistas e jornais, que estão balizando o processo. Neste sentido, pode-se dizer que a sociedade brasileira está à frente de seu Estado e de seus partidos, sendo o motor da liberdade. Quem não se lembra das declarações, há poucos dias, de dirigentes partidários que asseguravam que não havia nada a investigar, que tudo estava devidamente elucidado? Será que a nova elite política, que está atualmente no poder, pegou os cacoetes da antiga?

Quando das eleições de 2002, a publicidade do partido vencedor foi extremamente bem-feita. Guardamos todos na memória aquelas belas imagens que sugeriam moralidade e competência, como se a esperança fosse concreta e prestes a se realizar. A aposta foi muito elevada e a queda tanto mais abrupta. Poder-se-ia dizer que a irresponsabilidade foi total. Limites morais foram claramente transpostos, pois ao inexeqüível foi, agora, acrescentada a desfaçatez. Nada mais se sustenta e os discursos presidenciais mais se parecem palavras ao léu conduzidas pelo medo que reaparece. O problema, hoje, é se o povo brasileiro fará um saudável exercício de ceticismo, de descrença em relação a promessas vazias e a condutas de fachada, ou se ele procurará um novo destinatário, um salvador da pátria, aquele que poderá encarnar a crença perdida. Onde depositar a esperança?

DENIS LERRER ROSENFIELD é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.