Título: LEGÍTIMA DEFESA
Autor: RAUL JUNGMAN
Fonte: O Globo, 18/07/2005, Opinião, p. 7

Quem é contra o desarmamento o é por três razões básicas. Em primeiro lugar porque, dado o fracasso do Estado em prover minimamente a nossa segurança, já viveríamos todos, querendo ou não, em estado de "defesa permanente". O que significa duas coisas: uma, que a qualquer momento podemos ser vítimas de agressão, violência ou ter nossa integridade e a de nossos familiares postas em risco. Outra: que a nós, cidadãos, cabe a responsabilidade total ou parcial por nossa própria defesa, como bem atestam as estatísticas e, mais do que elas, o relato cotidiano dos crimes que fecham o cerco à nossa volta.

Essa formulação, além de ferir de morte o princípio do monopólio da violência legítima pelo Estado, descarta qualquer possibilidade de reformá-lo para que venha a exercer o seu papel de provedor da segurança da sociedade em que vivemos. Em verdade, essa visão conservadora oculta o desejo de manter em mãos privadas a força e os adequados meios para exercê-la - com destaque para as armas de fogo.

O segundo argumento deriva do direito à propriedade e, associado ao princípio da autodefesa, atribui a todos os cidadãos a prerrogativa de possuir e portar armas. As "armas do bem", em contraposição às "armas do mal", ou dos bandidos, não seriam socialmente nefastas nem as responsáveis pelas mortes e homicídios por arma de fogo que nos colocam no topo do ranking mundial da categoria.

Ora, o Estatuto do Desarmamento (lei 10.826, de 2003) faculta a posse e o porte de armas aos cidadãos, sob determinadas condições, por tempo limitado e em dado território - desde que comprovada a sua efetiva necessidade, bem como o treinamento e as condições psicológicas para o uso de armas. O chamado "referendo do desarmamento" não toca nisso, limitando-se a consultar a sociedade sobre a conveniência de proibir ou não a comercialização de armas de fogo e munição em todo o país. Quanto às "armas do bem" serem positivas, neutras ou um favor de segurança pessoal, trata-se de uma fantasia de tecido frágil. Segundo pesquisa do Iser, em 3.338 assaltos ocorridos no Rio de Janeiro nos quais não ocorreram reações armadas, foram registradas cinco mortes. Em contrapartida, num total de 11 casos em que se registraram reações, ocorreram três mortes. Portanto, a reação armada à violência multiplica as chances de morte daquele que reage, e não de defesa de sua integridade, como reza o senso comum. Ademais, não custa repetir que quem possui arma de fogo em casa tem quatro vezes mais possibilidades de conviver com suicídios, mortes ou acidentes fatais. E que parte das "armas do mal" foi originalmente "armas do bem", adquiridas por cidadãos, que foram parar, por meio de roubo ou compra , nas mãos de bandidos.

A terceira linha de argumento contrária ao desarmamento afirma que ele nos deixará indefesos diante dos bandidos, que permanecerão armados. Logo, conclui-se, há que permitir que os homens de bem sigam armados para que possam exercer a sua legítima defesa, a do seu patrimônio e a da sua família. É inescapável, a ser verdadeiro tal raciocínio, que, quanto mais pessoas de bem se armarem, mais segurança teremos. Logo, um governo verdadeiramente democrático deveria implantar dois programas de âmbito nacional: um, voltado para nossa sofrida classe média, subsidiando a compra de armas e munições; outro, para os que não dispõem de renda para tal, viabilizando a doação de armas a fundo perdido para os pobres, miseráveis e excluídos - seria o "Pró-Bala" ou o "Armas para Todos". Em pouco tempo, nossa cidadania armada de fuzis AK-47, metralhadoras Uzi e bazucas e, mais adiante - por que não? - o próprio Estado, com a sua insuportável carga tributária e ineficiência histórica! Desse modo, teríamos segurança e civilização enfim juntas e harmonizadas, pois não? Em legítima defesa.

RAUL JUNGMAN é deputado federal (PPS-PE).

A reação armadaà violência multiplica as chances de morte daquele que reage